Livro: “A notícia como máquina de guerra: análise dos discursos sobre a Petrobras e a produção de petróleo e gás nos jornais: um enfoque no Espírito Santo”
Boletim nº 12 – 17 de março de 2020
Resenha por Cláudio Zanotelli¹
Os nossos principais objetivos neste livro foram entender e analisar como a mídia enuncia determinados fatos ou acontecimentos sobre temas relacionados com a Petrobras e a indústria do petróleo. Desse modo, por meio de uma pesquisa quantitativa e qualitativa, observamos como esses meios de comunicação constroem suas “verdades” e como são criados seus “efeitos de sentido” sobre o tema proposto.
Inicialmente, no Capítulo 1: O papel da mídia e a construção de sentido, passamos em revista alguns dos pressupostos conceituais com os quais trabalhamos. Em seguida, no Capítulo 2: A Petrobras na imprensa, analisamos os principais aspectos ligados à invocação dos investimentos no setor do petróleo a partir de arquivos de jornais impressos no período de 1998 a 2014. Neste capítulo enquadramos a perspectiva evolutiva dos discursos e as associamos aos eventos históricos ligados à onipresença da exploração e produção do petróleo nas abordagens dos jornais, em particular no Espírito Santo.
Apresentamos, no Capítulo 3: A pesquisa nos jornais em 2017, análises dos discursos e sua contextualização, a forma como realizamos a investigação quantitativa e qualitativa das matérias jornalísticas publicadas sobre Gás e Petróleo e a Petrobras nos principais jornais impressos do estado do Espírito Santo (A Gazeta, A Tribuna, Notícia Agora, e o jornal distribuído gratuitamente Metro Jornal) e nos portais dos principais jornais digitais do Estado do Espírito Santo (Século Diário, Gazeta Online e Folha Vitória).
Também pesquisamos, como forma de ampliar a perspectiva estadual e situá-la num espaço mais amplo, os principais jornais digitais do País (Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo, O Globo e Jornal do Brasil). O período de análise foi de 01 de julho a 30 de novembro de 2017, totalizando quatro meses.
No Capítulo 4: Análise de temas sobre a Petrobras publicados nos jornais, procuramos classificar as matérias dos jornais em grandes temas e contextualizar e criticar as perspectivas dos jornais.
Enfim, no Capítulo 5: Considerações finais: dois pesos e duas medidas, resumimos os principais pontos abordados pelos jornais e buscamos demonstrar o mecanismo dual da mídia revelado pela forma como ela toma partido.
Foram analisados 194 jornais (54 jornais impressos e 140 jornais digitais). Ao todo, recuperamos 202 registros informacionais sobre o tema proposto. Não ficamos preocupados se a reportagem em estudo recebeu destaque na página ou qual foi o comprimento e a altura do título, porque muitas vezes isto não revela todo o efeito de sentido das matérias (que dependem de inúmeros fatores) e não somente de seu destaque, mas da reiteração de um princípio que se quer passar em todo tipo de material publicado. Também, por outro lado, devemos notar que um maior destaque pode influenciar os leitores pela forma rápida e acrítica como muitas pessoas leem a imprensa, sem operar uma análise racional dos fatos descritos.
Para melhor compreensão das análises, os 202 acontecimentos coletados no período de análise foram divididos em seções que se encontram no Capítulo 3. A primeira está organizada pela quantidade de enunciações encontradas em cada jornal e pelos assuntos abordados. A segunda, pelas palavras–chave mais utilizadas em cada assunto. A terceira seção foi destinada para as editorias onde os assuntos foram publicados. A quarta, pelas fontes jornalísticas utilizadas. A quinta seção é formada pelos gêneros jornalísticos na construção do material informativo. A sexta, pelo contexto. Na sétima seção foi verificado se as publicizações foram informativas, explicativas ou opinativas. Além disso, verificamos também, na oitava seção, se as matérias qualificam, desqualificam ou foram “neutras” em relação à Petrobras, e por último, na nona seção, se foram matérias positivas, negativas ou “neutras” para a estatal.
Em todos os capítulos procuramos colocar em perspectiva as matérias dos jornais, seja utilizando dados institucionais e empresariais, seja utilizando artigos científicos e pesquisas diversas, bem como artigos de outros jornais, blogs e sites não hegemônicos – Associação Engenheiros da Petrobras (AEPET), Federação Única dos Petroleiros (FUP) e etc. – que apresentavam outra perspectiva sobre os temas tratados pelo corpus analisado. Assim, nossa análise também é uma pesquisa crítica do conteúdo veiculado pela grande imprensa.
Muitas vezes os mesmos jornais, fazendo parte do corpus analisado em 2017, diante do recuo que podemos ter hoje em 2019, deram posteriormente outras versões ou atualizam suas visões e fontes sobre um mesmo fenômeno e muitos o fazem revelando contradições e lacunas em relação ao passado, mas sem, necessariamente, revisarem suas posições, revelando, assim, o quão delicados e instáveis são a notícia e a informação, que estão sujeitas a revisões permanentes e submetidas à conjuntura e ao contexto social, econômico e político. Desta forma, o fluxo de matérias cotidianas afoga literalmente as “verdades” forçosamente relativas e provisórias quando as colocamos na perspectiva histórica do tempo que passa.
Baseamos a pesquisa em referencial teórico da semiótica discursiva, que procura determinar o que o texto diz, como o diz e para que o faz: “A semiótica discursiva tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz” (BARROS, 1999, p. 7). Para Landowski (1996, p. 28), na semiótica o sentido nunca é “dado”. Jamais ele “está” aí ou ali, de antemão, nem escondido sob as coisas visíveis, nem mesmo instalado nas unidades constituídas no quadro de tal sistema de signos ou de algum código sociocultural particular.
Desta maneira, o trabalho se propôs, em um primeiro momento, a efetuar uma análise da enunciação, procurando identificar como a notícia foi publicada, qual foi o objeto-valor apresentado aos seus leitores, quais foram os tipos de discursos empregados, qual foi o grau de informação passada e seus efeitos de sentido. Num segundo momento, contextualizamos e buscamos revelar como os jornais estão produzindo e reproduzindo crenças e posições que manifestam a posição que seus agentes ocupam no campo econômico, político e cultural. Isto produz disposições simbólicas inculcadas socialmente em função dos campos aos quais pertencem os agentes sociais que deságuam numa produção ideológica que não se reconhece como tal, pois estes agentes acreditam estar enunciando a “verdade” sobre o mundo e se colocam numa posição de acumulação do capital simbólico conquistado na forma de persuasão social, levando a se obter uma certa forma de reconhecimento das instituições ou, no nosso caso, dos jornais. Podemos consultar Pierre Bourdieu no livro Sur l’État (2012) sobre o capital simbólico e a construção de sua legitimidade, bem como sobre a própria forma de constituição do Estado como concentração e centralização econômica e de poder com seus agentes legitimadores. Dentre estes agentes legitimadores do Estado e auxiliares na sua instauração e reconhecimento, podemos elencar a própria grande mídia e, em particular, os jornais como imposição de crenças sob a forma da violência simbólica feita à maioria e contra seus próprios interesses, mas aceitas como tal em função destes mecanismos de legitimação simbólicos instaurados pelos dominantes no campo econômico, político e cultural que dizem da legitimidade dos fatos e sua interpretação.
É importante sublinhar que o ofício de jornalista é muito importante e os jornalistas, como profissão, são submetidos também a relações de trabalho dentro das redações que lhes deixam pouca margem para ter uma perspectiva independente dos donos dos jornais. No entanto, os jornalistas, em sua maioria, nestes veículos acabam se conformando ao papel que lhes é reservado e se contentando em seguir a linha editorial, mesmo se puderem, nos interstícios dos controles e coerções que sobre eles se exercem, produzir matérias e reportagens “honestas”. No entanto, o mais comum é ver a produção da notícia se contentar em parecer ser “neutra”, quando de fato, toma partido e constrói um mundo nos silêncios, nos ditos e não ditos dos textos, no que mostra e no que deixa de mostrar. Nunca foi tão premente, como nos tempos atuais, a necessidade de um jornalismo crítico, investigativo e independente. O exercício da cidadania depende também disso, mas nunca foi tão presente na imprensa brasileira o partidarismo. Não dizemos isto para atacar os jornais – e nisto nos diferenciamos das posturas sectárias da extrema-direita: a liberdade de pensar e de dar opinião e informar deve ser defendida, mas a pluralidade deve ser assegurada, e é isto que está faltando em muitos dos grandes jornais que são, antes de tudo, empresas que procuram ter lucros e que comungam com as linhas dominantes discursivas de hoje em dia da defesa do ultraneoliberalismo econômico e do Estado-empresa.
Aos que desejam adquirir a obra, devem entrar em contato através do e-mail: clzanotelli@yahoo.com.br.
Para acessar a resenha completa, acesse aqui.
¹Professor Titular UFES e Pós-Doutorado pelo IPPUR de 2018 a 2019.