O Conselho da Juventude da Cidade do Rio de Janeiro como ferramenta no auxílio de uma gestão participativa e seus desafios

Boletim nº 42 – 04 de fevereiro de 2021

 

Por Ully Sant’ Anna Ribeiro1

 

RESUMO

O presente artigo é resultado de nossa pesquisa, apresentada no Trabalho de Conclusão de Curso no curso de Graduação em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (GPDES) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, (UFRJ), e tem por objetivo relatar a construção e implementação do Conselho da Juventude da Cidade do Rio de Janeiro como mecanismo de gestão participativa e política pública de incentivo a uma gestão pública mais inclusiva. Neste sentido, buscou-se demonstrar os obstáculos enfrentados e meios de propiciar uma gestão democrática com participação social em nível municipal, através de análise de dados, pesquisas bibliográficas e aplicação de entrevistas e questionários. A fim de colaborar para um debate mais acessível, expondo a importância da formação de redes e fortalecimento da identidade local.

 

Palavras-chave: Conselho da juventude; democracia; participação; política pública.

 

INTRODUÇÃO

Os conselhos de políticas públicas, sendo eles consultivos ou deliberativos, exercem um papel de controle social fundamental e são espaços de construção democrática.

Os conselhos constituem um importante instrumento de consolidação da democracia representativa e de controle de políticas públicas, especialmente desde a Constituição de 1988. São instâncias que permitem a manifestação democrática a partir da participação ativa da sociedade no exercício de sua cidadania, nos espaços de representação coletiva, contribuindo para transformações sociais, bem como a realização dos direitos fundamentais.

Tendo em vista a importância da participação social, somado ao cenário de descrédito político instaurado no Brasil a partir das manifestações de 2013, a juventude conquistou alguns marcos nas diferentes instâncias de poder. Em nível municipal destaca-se o Conselho da Juventude da Cidade do Rio de Janeiro (CJCRJ), instância consultiva de participação social, sob o Decreto-Lei de nº 40694 de 1º de outubro de 2015.

Por meio do estudo de caso do CJCRJ pretende-se exemplificar a importância e necessidade da participação cidadã e a disponibilização de mecanismos para exercê-la. Na sociedade moderna com uma democracia de tão baixo impacto, com conselhos sendo desmantelados pelo poder público, faz-se essencial que tais ferramentas e mecanismos de controle e pressão social sejam garantidos e legitimados tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil organizada.

Integrar a formação multidisciplinar da gestão pública à prática vivida no Conselho faz emergir a necessidade de compartilhar essa experiência, e este trabalho nasceu a partir da visão e vivência da autora nesses dois contextos, e da pesquisa que resultou em nosso Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no curso de Graduação em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (GPDES) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, (UFRJ). Portanto, acreditamos que seja uma contribuição significativa para a comemoração dos dez anos do GPDES, já que relatar a construção de um conselho revela a possibilidade da participação social na gestão municipal.

 

 

O CONSELHO DA JUVENTUDE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

O CJCRJ era um dos projetos alocados e criados no Lab.Rio – Laboratório de Participação da Prefeitura do Rio de Janeiro, vinculado ao gabinete do Prefeito, e que tinha por objetivo promover novas formas de interação e participação social. Segundo Gadotti (2014), participação social se dá nos espaços e mecanismos do controle social, como as conferências, conselhos e ouvidorias, sendo esta uma forma de organização da sociedade civil fundamental para o controle, fiscalização, acompanhamento e implementação das políticas públicas, bem como para estabelecer diálogo e uma relação orgânica entre os governos e sociedades.

Para exemplificar o CJCRJ como um projeto que possibilitou aproximar a sociedade da instância municipal de poder é importante se atentar ao processo de seleção dos conselheiros-membros e dos critérios envolvidos. As diretrizes do Conselho versavam sobre o formato de composição, pautada na distribuição territorial das cinco Áreas de Planejamento (AP) do município do Rio de Janeiro  e na equidade de gênero, ambos critérios fundamentais para garantir um espaço de consulta mais plural e diverso.

Ao inserir o critério de distribuição territorial, a Zona Oeste do Rio, – região da cidade que concentra 21 bairros e 48% da população do município, tornou-se a AP com maior número de conselheiros. Contudo cabe destacar que este marco somente foi possível por conta de um trabalho anterior de mobilização territorial e social realizado por articuladores nos territórios mais vulneráveis falando sobre o processo aberto. Esta ação de articulação foi essencial para levar para dentro do Conselho e da Prefeitura pessoas com vivências distintas que culminaram no enriquecimento do projeto fomentado pelas diferentes realidades ali presentes.

Para assegurar o objetivo de pluralidade a que se propunha a constituição do Conselho,  além da articulação territorial citada acima, houve uma assessoria prestada aos grupos situados em localidades de maior vulnerabilidade social para que tivessem acesso à internet e pudessem efetuar sua inscrição no Conselho, e ainda a realização de uma votação popular online entre os candidatos ao Conselho, com posterior divulgação dos selecionados.

Ao buscar envolver e garantir aos conselheiros uma gestão horizontal, propiciando uma rede de troca de experiências ampla fazendo com que as proposições e preocupações dos membros presentes fossem consideradas no processo decisório, o CJCRJ, pautando-se na Organização Internacional para Participação Pública (IAP²), esteve associado ao nível três (envolver) da Escala de Participação da Associação Internacional para Participação Pública.

O Conselho tinha por produto final a entrega de pareceres a respeito do Plano Estratégico da Cidade olhando para duas versões: 1) o de 2012/2016 que já estava em vigor e tinha por objetivo entender e questionar todas as metas propostas e o porquê de muitas delas não terem sido cumpridas em sua integralidade, isto por meio de encontros com representantes das secretarias e áreas específicas, 2) e o de 2017/2020 Visão Rio 500 – O Rio do Amanhã, que buscava ‘refletir a cidade que desejamos para os próximos 50 anos’ (Paes, Eduardo. 2016). E os conselheiros deveriam assessorar e participar do processo de construção do plano.

Os encontros tinham diferentes propósitos, de acordo com a necessidade e pautas a serem abordadas. Existiam os encontros de formação, os para proposição a partir da explanação e ou mentoria de determinada secretaria e outros para regulamentação interna do conselho como elaboração do regimento interno, definição de diretrizes e comunicação, encontros estes que definiram a rotatividade do local da reunião.

Tendo em vista que a maior parte dos membros residiam na Zona Oeste do Rio de Janeiro – delimitada pela Área de Planejamento 5 e parte da 4 – não parecia coerente que todas as reuniões ocorressem de forma centralizada no eixo Centro-Zona Sul, buscando assim implementar a prática da justiça territorial como forma de superar as desigualdades socioespaciais. Esta decisão, por vezes, gerou dúvidas acerca da sua sensatez. Entretanto, a aplicação do critério de justiça territorial era capaz de gerar esperança, quando se realizavam reuniões não-esvaziadas em localidades da Zona Oeste por demonstrar a possibilidade de circular a cidade, realizar eventos importantes sob o ponto de vista político-econômico-social e romper o obstáculo da distância.

Após quatro meses e meio de mandato no Conselho da Juventude, o Lab.Rio apresentou uma ‘avaliação trimestral’. Entre os principais pontos que podem ser destacados, observa-se que 33% dos 44 membros que responderam ao questionário acreditavam que o maior valor do Conselho foi propiciar aos demais o conhecimento ou a convivência com pessoas novas e diferentes, conforme quadro abaixo. Entre os aspectos relacionados aos desconfortos, respondidos de forma aberta e subjetiva no tópico “Análise qualitativa quanto aos desconfortos”, observa-se que das 33 inferências, apenas cinco foram sobre a questão do deslocamento para os encontros. As demais, criticavam a comunicação e organização por parte do Lab.Rio.

 

Imagem 1: Informação interna do resultado e análise da primeira avaliação do Conselho elaborado pelo LabRio 

Fonte: A autora, 2018.

O importante é iniciar o entendimento de que há a necessidade de mudanças sistêmicas e  reformulação do papel do Estado em relação a seus usuários e formas de aproximação dessa população que, ao invés de ser representada e ouvida pela administração pública, acaba excluída dos processos decisórios da cidade.

O cidadão precisa ser protagonista, aproximar-se da comunidade em que vive e debater assuntos e demandas regionais a fim de que, a partir do micro, do município, consiga trazer uma nova perspectiva sobre o que é fazer e discutir política. “Aos poucos, membros da sociedade civil entenderam que podem adquirir um papel protagonista nas questões sociais, nas tomadas de decisão e na mudança de mentalidade de sua comunidade” (Carvalho, Isabela. 2014).

Como forma de se aproximar da sociedade civil em suas diferentes nuances de atuação e ativismo e também prestar contas do que o Laboratório em si já havia feito e de que forma o Conselho havia atuado neste um ano de mandato, o Lab.Rio junto dos conselheiros elaborou uma conferência, intitulada ‘Desconferência Hacker’. O prefixo ‘des’ foi utilizado para fugir do padrão dos eventos tradicionais realizados no setor público.

Com uma proposta não-convencional por não abarcar palestras, com uma pessoa como detentora do conhecimento reproduzindo para as demais, e sim com a proposta de diferentes participantes engajados trocando seus saberes teóricos e empíricos que queriam estimular o debate para apresentar e questionar o que tinha sido produzido pelo Lab.Rio e, principalmente pelo CJCRJ.

Os grupos socioeconomicamente vulneráveis são, historicamente, postos em segundo plano no processo de construção e decisão de políticas públicas. Muitas vezes estigmatizados e vistos de forma pouco humanizada, como carentes de instrução e conhecimento e que não precisam participar desses processos porque nada devem ter a acrescentar. Muitas especulações são feitas e, na prática, pouco espaço é concedido a estes grupos para que mostrem o quão capazes são de se organizar e se autogerir.

O CJCRJ, além de representar um esforço no sentido de fomentar a discussão de políticas públicas de diferentes âmbitos pelos jovens e para além das questões diretamente relacionadas à juventude, promoveu, através da diversidade alcançada na seleção dos perfis, rever o estereótipo de quem discute sobre a política e do lugar de onde se discute política.

Colocar a periferia para construir pareceres sobre o planejamento estratégico da cidade do Rio de Janeiro, tendo a possibilidade de fazer isso em reuniões ocorridas em Campo Grande, Padre Miguel, Irajá, Jacarepaguá, Rocinha, Manguinhos é conferir, de forma institucionalizada, importância à opinião dos diferentes perfis que compõem o município do Rio de Janeiro.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Conselho permitiu a criação e fortalecimento de redes coletivas e propositivas ao redor da cidade, grupos de trabalho, produção e consolidação artística e acadêmica, e a partir da rede formada, os ex-membros do Conselho da Juventude da Cidade do Rio de Janeiro deram início ao processo de institucionalização do Conselho culminando num projeto de lei escrito de forma coletiva e posteriormente articulado para ser apresentado pelo vereador Cesar Maia (vereador reeleito em 2020 pelo Democratas – DEM).

Institucionalizar uma política pública é fundamental para que esta não fique ‘refém’ de mandatos e políticos específicos que detenham o poder de extinguir essa política quando não mais a achar conveniente. Este fato já era sabido por muitos, mas foi fortemente sentido quando em seu primeiro dia de mandato de 2017 o ex-prefeito Marcelo Crivella extinguiu o Lab.Rio e o Conselho. Ambos projetos eram vistos como uma iniciativa inovadora e muito importante para os cidadãos do Rio de Janeiro, inclusive na tentativa de proporcionar maior transparência e prestação de contas do governo municipal.

Nesta nova gestão municipal (2021/2024), o prefeito eleito Eduardo Paes (DEM) pretende reativar o Conselho por meio de decreto e posteriormente garantir a aprovação de um projeto de lei de teor similar na Câmara de Vereadores para institucionalizar a política, como mencionado acima. Do lado da sociedade civil tenta-se ficar contente com o aceno de Paes à rumos mais participativos e progressistas. Contudo não se deve aguardar que esse processo de garantir mais espaços de participação partam apenas do poder público. Sabendo disso, os movimentos e coletivos estão cada vez mais organizados para cobrar seus lugares nas decisões e condução das políticas públicas para os próximos anos. Neste sentido, que realizamos a pesquisa para a elaboração de nossa monografia, defendida em 2018 e que, acreditamos, contribui para consolidação dos temas desafiadores para o Campo de Públicas, e em especial para nosso GPDES, vida longa ao nosso curso! Na expectativa de que cada vez mais gestores públicos ocupem os espaços de poder e construam, monitorem e avaliem políticas públicas eficientes e participativas.

 

1Graduada em Gestão Pública pelo Desenvolvimento Econômico e Social (IPPUR/UFRJ).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RIBEIRO, Ully. O Conselho da Juventude da Cidade do Rio de Janeiro como ferramenta no auxílio de uma gestão participativa e seus desafios. Rio de Janeiro, p. 84. 2018.

BARBOSA e CUNHA. A importância dos conselhos de políticas públicas para a efetivação dos direitos fundamentais e consolidação da democracia. Disponível em < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=58845926c9bda650 > Acesso em 3 de janeiro de 2020.