Os desastres da mineração no Brasil

Boletim nº 6 – 21 de novembro de 2019

 

O IPPUR recebeu, no dia 13 de novembro, o prof. Luiz Jardim Wanderley¹ para a aula pública “Os desastres da mineração no Brasil”. A partir de exemplos como os desastres ocorridos em Mariana (2015) e Brumadinho (2019) por conta do rompimento das barragens, Luiz Jardim comentou os efeitos socioambientais, econômicos e jurídicos decorrentes da dependência econômica das regiões às atividades de mineração.

 

Por Carla Beatriz Januario, Clarice Rocha, Suyá Quintslr e Deborah Werner²

 

No dia 13 de novembro de 2019, às 13h30, o IPPUR recebeu o Prof. Dr. Luiz Jardim Wanderley para uma Aula Pública sobre “Os desastres da mineração no Brasil”, vinculada a disciplina de Política  e Planejamento  Ambiental, do curso de Graduação em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social.

A partir dos desastres ocasionados pelo rompimento das barragens do Fundão, em Mariana e da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, ambas em Minas Gerais, nos anos de 2015 e 2019, sob a responsabilidade das empresas Samarco e Vale, respectivamente, LuizJardim enfatizou os efeitos socioambientais, econômicos e jurídicos decorrentes da dependência econômica das regiões às atividades da mineração, assim como as contradições oriundas da perspectivas de desenvolvimento que derivam desses projetos.

 

Mineração e Impactos Territoriais

A expansão da mineração deve ser compreendida à luz das transformações territoriais decorrentes da atividade mineradora e dos conflitos territoriais que envolvem de um lado, a apropriação de recursos naturais para a acumulação capitalista e, de outro, a apropriação dos territórios por outros grupos sociais  como camponeses, ribeirinhos, posseiros e povos tradicionais que, frente aos ditames econômicos da acumulação capitalista, têm inviabilizadas suas formas de reprodução social. Agrava o caráter conflituoso, a ocorrência de racismo ambiental e processos de desigualdade ambiental vinculados à exploração mineral, perspectiva que denuncia que os riscos e as violações de direitos humanos associados aos projetos recaem, recorrentemente, sobre grupos vulneráveis em termos étnicos, raciais e socioeconômicos.

Em contraposição à sustentabilidade atribuída à mineração, Luiz Jardim destacou os impactos cotidianos na vida das populações afetadas pela exploração mineral, como a contaminação do lençol freático e a inviabilidade de outras formas de relação com a natureza.

Aponta-se ainda a incompatibilidade da mineração aos preceitos de sustentabilidade, uma vez que a recomposição físico-ambiental torna impossibilitada a retomada de sua estruturação original. Portanto, a atividade de mineração por si só, a despeito de “desastres”, deve ser considerada como geradora de impactos e processos disruptivos, o que remete ao conceito de “Amputação da Natureza”, de Gudynas.

A recompensa viria pelo bom desempenho da balança comercial, geração de empregos e aumento da renda, elevação nas receitas fiscais, desenvolvimento tecnológico, entre outros aspectos relacionados ao entendimento da ideia de desenvolvimento. No entanto, tais aspectos devem ser relativizados, em decorrência da especialização em produtos primário-exportadores de baixo valor agregado, baixos salários dos trabalhadores da mineração, dependência da região à atividade mineradora e vulnerabilidade diante do ciclo de preços das commodities, conforme os dados apresentados por Jardim.

 

Fragilidade e Negligência fiscalizatória

Os conflitos mencionados, somados ao caráter disruptivo da própria atividade mineradora, em decorrência dos procedimentos para a extração de minério, requer a gerência territorial intensiva por parte de órgãos reguladores do Estado. No entanto, os casos analisados revelaram indícios de negligência por parte das empresas aos procedimentos de segurança das barragens, assim como a corrupção de agentes públicos e privados vinculados aos procedimentos regulatórios e de fiscalização.

Por outro lado, revelaram-se também a fragilidade financeira, humana e material dos órgãos fiscalizadores por parte do Estado em seus diferentes níveis de governo e o inadequado marco regulatório, que estabelece o processo de autorregulação por parte das empresas, responsáveis por fornecer informações para que, a partir delas, os agentes fiscalizadores emitam pareceres sobre os danos e riscos das barragens. Os casos de Mariana e Brumadinho evidenciaram conflitos de interesses entre as empresas contratantes e as auditorias contratadas para a elaboração de relatórios de fiscalização, que alegaram a segurança das barragens.

Entretanto, apesar da ocorrência de 9 desastres entre os anos de 1986 e 2019 (1986, 2001, 2006, 2007, dois em 2008, 2014, 2015 e 2019), ainda se tem consolidada na opinião pública a ideia de que a mineração é uma atividade de “baixo ou insignificante” para a população e o meio ambiente, o que evidencia o poder desse setor em conformar um discurso contrário às evidências empíricas, para o que contribui a campanha midiática em favor da mineração.

Cabe ressaltar o imbricamento entre os interesses da classe política e os interesses das empresas de mineração. O financiamento das campanhas no ano de 2014 revelou a importância dos recursos oriundos da mineração aos candidatos, o que pode justificar a influência das mineradoras sobre os legisladores, aspectos identificados na elaboração do Plano Nacional de Mineração, na participação de Conselhos e Fóruns deliberativos e na elaboração de propostas de marcos regulatórios e flexibilização da legislação ambiental.  Ainda, cada vez mais gestores privados têm ocupando cargos públicos, o que leva a uma transferência da lógica privada para a gestão pública e para a forma de planejar e gerir os territórios.

 

Diante dos impactos sociais e ambientais, por que ficar à mercê das barragens? 

A resposta estaria na dependência econômica da União, dos estados e municípios à exploração mineral,  o que leva à especialização, à vulnerabilidade e à subordinação econômica e política do país e das regiões aos processos decisórios dessas empresas. Além da dependência na geração de empregos diretos e indiretos gerados pela mineração, apesar dos baixos salários médios pagos, as regiões tornam-se dependentes das contrapartidas financeiras das empresas aos municípios, estados e União – a Compensação Financeira pela Exploração de recursos minerais (CFEM). Ressalta-se que para muitos municípios essa é a principal receita, o que reforça a dependência dos entes federados aos recursos e dificulta maiores questionamentos por parte do poder público e da sociedade à ação das mineradoras.

A situação dos entes federados é agravada pela Lei Kandir (lei complementar n°87, de 1996), que isenta de pagamento de ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados, a serem compensados aos estados pela União, repasse esse ainda não regulamentado. Como consequência, os estados primário-exportadores alegam perda de arrecadação em suas receitas. Se de um lado a mineração geraria receitas para a região, por outro, a especialização primário-exportadora condena os estados a renunciar sua principal fonte de receita, impactando inclusive o pacto federativo.

Frente à oscilação dos preços dos minérios, as empresas buscam compensar perdas financeiras, quando da queda dos lucros, o que pode levar à contenção de gastos com segurança das barragens e medidas compensatórias, culminando nos “desastres”. Logo, além das condições fiscais e da dependência econômica dos estados e municípios à mineração, agrava a vulnerabilidade dos territórios a reversão cíclica dos preços no mercado de commodities. Jardim apresentou uma relação estreita entre a queda dos preços das commodities minerais e os rompimentos de barragens, o que evidencia que as empresas alteram não apenas suas decisões de investimentos frente às expectativas de lucro, mas também seus dispêndios com medidas de segurança e compensações ambientais, caso tais gastos afetem sua rentabilidade frente à queda das receitas. Tal situação, somada à fragilidade regulatória, revela a grave situação a que são expostos os territórios da mineração.

 

Mineração e Desenvolvimento?

Resta-nos o questionamento quanto a possibilidade de desenvolvimento das regiões mineradoras e para o próprio país, caso sejam mantidas a subordinação de geração de emprego e renda aos mercados internacionais, a fragilidade regulatória em termos ambientais, sociais e trabalhistas e a estrutura fiscal oriunda da especialização primário-exportadora de commodities minerais que caracterizam a economia brasileira. Tal modelo nos coloca à mercê das reversões cíclicas nos preços internacionais, inibe atividades econômicas de maior valor agregado, restringe os encadeamentos produtivos e pressiona pela eliminação de grupos sociais e ecossistemas não vinculados ao uso intensivo e espoliativo dos territórios.  O alcance de um desenvolvimento entendido como autônomo, potencializador da diversidade econômica, social, ambiental e cultural, que amplie os horizontes de possibilidade da sociedade brasileira, exige imediata alteração da rota em curso.

¹O Professor Luiz Jardim Wanderley atua no Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense – UFF e no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-FFP). É pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade – PoEMAS e colabora na Associação dos Geógrafos Brasileiros do Rio de Janeiro no GT-Agrária.

²As reflexões trazidas pelo artigo a partir das contribuições do Professor Luiz Jardim Wanderley são de inteira responsabilidade das autoras.