Pandemia: A ascensão do chatIA e os percalços da plataformização da assistência social no Rio de Janeiro
Boletim nº 83, 08 de novembro de 2024.
Anna Paola Tuão de Oliveira Souza, João Pedro Alves, Rebeca Maria Cunha Silva e Vitória Gomes De Barros
Estudantes do curso de Serviço Social, Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social e Fisioterapia
No dia 27 de agosto de 2024, o Festival do Conhecimento UFRJ, que teve como tema central “Inteligência Artificial para o Sul Global”, fomentou diversos assuntos entre atividades virtuais e oficinas. O grupo de Pesquisa “O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e a pandemia da Covid-19” participou do festival por meio de uma mesa virtual transmitida no canal do Youtube da Pró-reitoria de extensão da UFRJ. O grupo é coordenado pela professora Renata Bastos e formado por pesquisadores(as), autores(as) deste texto, dos cursos de Serviço Social, Gestão Pública e Fisioterapia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A mesa virtual foi composta, além das/os jovens pesquisadoras/es, pela assistente social Ellen Cristina Pereira Zacarias, da Secretaria Municipal de Assistência Social do Município do Rio de Janeiro. O tema da mesa foi Pandemia: A ascensão do chatIA e os percalços da plataformização da assistência social no Rio de Janeiro.
Nesta atividade o grupo de pesquisa debateu os percalços da plataformização no acesso à políticas sociais, em especial, políticas socioassistenciais no período de emergência sanitária. Os mecanismos informatizados tiveram seu uso ampliado como principal ferramenta de trabalho norteado pelos decretos, portarias e resoluções estaduais e municipais que se valeram da política republicana e democrática de nosso Sistema Único de Assistência Social. Porém foram insuficientes diante do contexto adverso da pandemia de COVID – 19, o que revelou a total desinformação a respeito da administração de crises sanitárias.
A equipe abre o debate descrevendo o contexto de emergência sanitária decretado em 30 de janeiro de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ocasionado pelo surto do novo coronavírus SARS-CoV-2. Consequentemente, em 11 de março de 2020, foi decretada pela OMS a pandemia da Covid-19, a qual emergiu como um desafio sem precedentes desde o seu advento, em que o vírus espalhou-se pelo mundo, afetando milhões de pessoas e provocando impactos significativos na saúde pública, economia e sociedade em geral. Neste contexto, o cenário social é ressaltado a partir dos efeitos da pandemia, que levou milhares de pessoas à situação de vulnerabilidade social.
Logo em seguida, como descrito pelos pesquisadores, o governo federal brasileiro, em 6 de março de 2020, reconheceu para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República. Durante a atividade foi evidenciado como foi a definição da gestão da área da Assistência Social a partir de decretos e portarias tais como a PORTARIA Nº 337, de 24 de março de 2020, protocolada para a oferta de serviços socioassistenciais, adoção de medidas de segurança, tais como o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), assim como o acompanhamento remoto por meio de ligação telefônica ou aplicativos de mensagens – como WhatsApp de usuários(as) componentes do grupo de risco e o uso do teletrabalho para os profissionais dos grupos de risco. Como demonstrado, seguindo as orientações da Portaria de Nº 337, já na instância municipal do Rio de Janeiro, em março de 2020, foi decretado o estado de calamidade pública no município.
Dando continuidade, ainda sobre o tema, discutimos acerca do acesso aos equipamentos digitais durante a pandemia, destacamos por meio de dados que esse acesso não foi igualmente democrático e republicano, além da falta de infraestrutura tecnológica nos equipamentos e a falta de acessibilidade dos usuários às plataformas.
A Portaria 337 de 24 de março de 2020 evidenciou as disparidades no acesso à internet e tecnologia entre as classes sociais, conforme dados da TIC Domicílios de 2020 sobre a pandemia. Apesar do aumento geral do uso de internet e celulares, a qualidade do acesso se mostrou desigual, impactando diretamente o acesso aos serviços públicos, como demonstrado pelas dificuldades relatadas por usuários do CRAS. A Inteligência Artificial, em especial o reconhecimento facial, se mostrou inadequada para o público periférico, gerando entraves no acesso aos serviços e demandando o encaminhamento para outros órgãos.
Apesar dos desafios impostos pela tecnologia, a assistente social Ellen Zacarias destaca que a IA deve ser utilizada como ferramenta de apoio e não como substituta da atuação profissional. O aumento da demanda por auxílios governamentais durante a pandemia superlotou os CRAS, elucidando a necessidade de ampliação dos serviços de assistência social, tarefa complexa que a IA, por si só, não conseguiu suprir. A experiência demonstrou a importância do trabalho humano na assistência social, especialmente em momentos de crise, para garantir o acesso aos direitos e o atendimento às necessidades da população.
Para concluir, observamos que os mecanismos informatizados têm sido um instrumento não apenas de trabalho, como também de acesso a políticas sociais. Nesse sentido, o acesso às TICs deve ser democraticamente ampliado para que as pessoas sejam incluídas no exercício da cidadania na república. Segundo os dados apresentados, com base no Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), algumas camadas da população brasileira nota-se dificuldade de acesso, de modo que permanecem excluídos da política social e do meio digital de modo concreto, impedindo o acesso democrático e republicano à informação e, como ocorreu no período pandêmico, aos programas ofertados pela política de Assistência Social. Com o debate, é notável que o uso da inteligência artificial enquanto um meio, e não um fim, conecta profissionais e pessoas à informação, por isso é necessário ampliar sua utilização e disponibilização de forma igualitária, assim como defender que políticas públicas relacionadas à educação e à acessibilidade sejam, de fato, implementadas com o objetivo final de construir a ‘res pública’ como principal ponte entre a política pública e usuários no meio digital.
O acesso à atividade virtual completa está disponível neste link: (27/08 – 18:30 – Pandemia: A ascensão do chatIA e os percalços da plataformização da assistência social – YouTube).
Notas de Rodapé
1 Fabiano Rocha / Agência O Globo (2021). Acesso em: 22 de outubro de 2024. Disponível em: <https://extra.globo.com/economia-e-financas/para-diminuir-filas-do-cadunico-na-zona-oeste-assistencia-social-em-movimento-vai-atender-em-santa-cruz-rv1-1-25279430.html>.
Referências
BRASIL. Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Diário Oficial da União, 20 mar. 2020. Disponível em: <https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DLG&numero=6&ano=2020&ato=b1fAzZU5EMZpWT794>. Acesso em: 21 out. 2024.
BRASIL. Portaria nº 337, de 24 de março de 2020. Dispõe sobre medidas temporárias de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 25 mar. 2020. Art. 3º, § 5º, inciso c. Disponível em:<https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-337-de-24-de-marco-de-2020-249508800>. Acesso em: 27 ago. 2024.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. Histórico da pandemia de COVID-19. Disponível em: <https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19>. Acesso em: 21 out. 2024.
RIO DE JANEIRO (Município). Decreto nº 47.264, de 17 de março de 2020. Revogado pelo Decreto nº 52.704/2023. Disponível em: <Decreto 47264 2020 de Rio de Janeiro RJ (leismunicipais.com.br)>. Acesso em: 27 ago. 2024.
RIO DE JANEIRO. Decreto nº 46.984, de 20 de março de 2020. Decreta estado de calamidade pública no Estado do Rio de Janeiro em decorrência do novo coronavírus (COVID-19), e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 21 mar. 2020. Disponível em: <https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MTAyMzI%2C>. Acesso em: 21 out. 2024.