Trajetórias Profissionais Multidisciplinares no Campo de Públicas: Entrevista com Edgilson Tavares de Araújo

Boletim nº 85, 04 de abril de 2025

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Edgilson, você poderia falar um pouco de sua trajetória como professor, pesquisador e profissional atuante no campo de públicas?

Edgilson Tavares de Araújo: Comecei minha formação em Administração ainda muito jovem, e na época existiam algumas disciplinas de Administração Pública, mas eram instrumentais. Estávamos na década de 90, em que o debate sobre a Reforma do Estado e o “terceiro setor” estava muito forte. Por conta disso, percebi que não pretendia ser administrador de empresas, voltado para o mercado. Queria fazer algo diferenciado. Então, me engajei muito no movimento estudantil de Administração, envolvendo-me no Prêmio Fenea, um concurso nacional de projetos sociais para o terceiro setor, promovido pela Federação Nacional dos Estudantes de Administração – Fenea. Por aí comecei minha militância e conseguimos mobilizar, ainda como estudantes, o estado da Paraíba.

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): E você fez Administração na Universidade Federal da Paraíba?

Edgilson Tavares de Araújo: Sim, em um campus que, atualmente, corresponde à Universidade Federal de Campina Grande. Havia algumas disciplinas pontuais de Administração Pública e fundei, ainda como estudante, um grupo de pesquisa informal, chamado GEPETS – Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Terceiro Setor. O GEPETS reunia também alguns professores e comecei a me dedicar, encantado, aos estudos de Leilah Landim. Simultaneamente, eu fazia a graduação em Direito, na Universidade Estadual da Paraíba, mas deixei o curso depois de três anos e meio.  Gostava muito do Direito Constitucional e previa que “morreria de fome” no Direito Constitucional ou viria a ser professor. Já queria ser professor, naquela época! Participei de tudo que a vida acadêmica pode me oferecer: empresa júnior, diretório acadêmico, movimento estudantil, eventos estudantis, monitoria, iniciação científica, tudo que você possa imaginar na graduação. Eu vivi absolutamente tudo! Só que nunca fui para a área privada. O mais próximo que eu cheguei da área privada foi um estágio que eu fiz no grupo Softex 2000, que trabalhava com importação e exportação de software. Era uma incubadora tecnológica, quando a internet ainda não era acessível. Em 1999, decidi que eu ia sair de Campina Grande e iria fazer um estágio e meu TCC – Trabalho de Conclusão de Curso em Brasília. Fui a um evento estudantil e distribuí currículo em 10 ONGs – Organizações Não Governamentais em Brasília. Na época, o Centro de Voluntariado, do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos e a Fenapaes – Federação Nacional das Apaes -, entre outras. A Federação estava, na época, começando um projeto de desenvolvimento institucional e técnico para as Apaes do Brasil inteiro e disseram que me contratariam, mas como assessor. Não tinha experiência e nunca tinha tido a carteira de trabalho assinada na vida. Na época, o estágio não constava em carteira de trabalho. Fui para Brasília, tinha uma tia que morava lá, que me deu um apoio inicial. Minha mãe quase infarta, mas fui para Brasília e assumi um cargo de assessor. A primeira pessoa com quem trabalhei na Federação foi José Antonio Moroni, atualmente, diretor no INESC.  Ele foi meu primeiro chefe e disse para eu fazer minha pesquisa de TCC. Meu primeiro estudo acadêmico pelo PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, foi sobre papel e valores sociais na universidade. Por aí comecei a transitar pela Sociologia, vindo a interdisciplinaridade desde a graduação. Por exemplo, havia muita gente estudando empreendedorismo, já eu fui estudar papéis e valores sociais na universidade.  Na época, o departamento de Administração não tinha professor doutor, então meu orientador foi um professor doutor do departamento de Economia, e o coorientador, que era do departamento de Administração, pesquisava Sociologia do Trabalho. Estudamos papel e valores sociais dos professores, na perspectiva estruturalista, utilizando um modelo de Alvin Goldman e Robert Merton. Paralelamente, vim para Brasília enquanto fazia o TCC, para fazer um estudo sobre valores e comprometimento organizacional no terceiro setor. Lembro que, na época, enviei um e-mail para o Prof. Antônio Virgílio Bastos, da Psicologia, na Universidade Federal da Bahia – sempre fui ousado -, e ele disse “Nossa! Na graduação você vai estudar comprometimento?” Respondi que sim. Estudei, fiz um trabalho comparando valores e nível de comprometimento dos trabalhadores remunerados e voluntários na Fenapaes, comecei a trabalhar lá e defendi meu TCC. Uma frustração que eu tenho é a de que eu participei intensamente da universidade, mas não fui para a minha colação de grau, não participei da festa de formatura. Paguei tudo, mas não fui para nada, porque já estava trabalhando de carteira assinada, na época com 22 para 23 anos. Colei grau por procuração. Em Brasília, trabalhei na Fenapaes por três anos e meio, permanecendo lá, mesmo com mudança de presidente, e em 2001 eu pedi para sair e fui trabalhar no ArteSol – Programa Artesanato Solidário, com Ruth Cardoso, como gerente administrativo financeiro. Quando cheguei lá, minha chefe era uma pessoa do Itamaraty. Estava encantado com o terceiro setor, mas comecei a ter uma visão bastante crítica, porque me deparei com algumas questões que me incomodavam bastante, como os vínculos trabalhistas.  Fui para lá trabalhar na perspectiva de ser contratado por uma ONG do Rio de Janeiro e a missão que eu tinha era de criar não uma, mas duas ONGs. Na época, o Programa Comunidade Solidária já tinha institucionalizado organizações gestoras do Universidade Solidária, Alfabetização Solidária etc.  Eu questionava inclusive os valores altos de alguns salários dos gestores na época. Meu salário era bom, mas não se comparava ao de um superintendente, por exemplo. Durante um ano e meio trabalhei lá, ajudei a criar a Central ArteSol e a Central de Comercialização do Artesanato Solidário. Nesse trabalho, me encantava o combate à seca e à fome no Nordeste. Com isso, eu viajei o Nordeste todo e expandi o projeto. E penso que estava presente ali um aspecto muito marcante na minha trajetória de formação, que foi a interdisciplinaridade, na prática da gestão, que depois importou em aprofundamento teórico, não apenas na universidade, como também por conta própria. A partir dos problemas, ia surgindo a necessidade de dar uma explicação. A trajetória era a da busca de sentido para o problema e a respectiva solução que eu estava propondo. Sempre digo que eu sou um acadêmico-gestor e um gestor-acadêmico, porque nunca foi teoria pela teoria, nem a prática pela prática. Sempre busquei dar significado para e aprofundar as coisas que estava fazendo. No fim do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, D. Ruth Cardoso, estava muito à frente dos Programas e aprendi muito com ela, principalmente nas visitas técnicas. Lembro-me de uma visita a Entre Rios, em que ela conseguiu lotar um avião da FAB – Força Aérea Brasileira, dizendo para nós: “Vamos todos visitar a comunidade”. Vestida com sua “roupa de antropóloga”, ela nos conduzia. Então, posso dizer que minha formação política se deu no trabalho. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): O que você está chamando de formação política, nesse caso?

Edgilson Tavares de Araújo: Uma formação política ideológica mesmo. Quando jovem, fui “cara pintada”. Penso que tanto na formação em Administração, quanto no ambiente do terceiro setor, predomina uma lógica de “apartidarismo”, assentada num tecnicismo. No início da graduação, me encantei um pouco com isso. Mas depois comecei a me reconhecer como progressista e como pessoa de esquerda. O trabalho pavimentou o caminho para isso. Naquele momento em que eu estava na universidade, o neoliberalismo estava em ascensão. Ele ainda está presente atualmente na universidade, mas naquele momento o espaço de crítica era mais frágil. Fui moldando minha formação político-ideológica muito a partir dessas experiências, mas me permiti experimentar a Comunidade Solidária e ver com o que eu estava de acordo ou não. Naquele momento, tinha grande admiração pelo Brizola, então minha inclinação era de centro-esquerda. Mesmo trabalhando no cerne do PSDB, comecei a desenvolver uma visão crítica a partir da experiência. Minha formação política veio a partir da experiência, não veio da sala de aula, nem da assessoria de um gabinete político ou de partido, veio da prática profissional. E isso foi interessante. Atualmente, não separo a gestão da política, porque aprendi a política estando na gestão. Minha personalidade, no que diz respeito à política, foi sendo moldada a partir da gestão, e esse processo foi um pouco diferente daquele vivido por algumas pessoas. Para mim, não é um problema considerar que a política anda junto com a gestão. Defendo sempre que esta seja tecnopolítica. No fim do governo Fernando Henrique Cardoso, muita gente voltando para São Paulo e Rio de Janeiro, e eu estava cursando uma disciplina como aluno especial na UnB – Universidade de Brasília, na Psicologia Social – olha a interdisciplinaridade novamente −, com Jacob Laros. A disciplina era sobre avaliação de políticas sociais. Fiz várias disciplinas e acabei me candidatando à seleção para um mestrado na UnB. Conversando com pessoas do ArteSol, na época, Ruth Cardoso indicou que eu fosse para São Paulo e que poderia fazer mestrado por lá, pois havia pessoas interessadas no meu trabalho. Ocorreu que, por meio de uma indicação aleatória, para uma agência de headhunters, acabei participando de uma seleção em uma outra ONG, com sede em São Paulo. Após a aprovação, descobri que a ONG era a APAE de São Paulo. Indo trabalhar em São Paulo, acabei seguindo o conselho de Ruth Cardoso e de outras pessoas: fui procurar informações sobre os Programas de Mestrado da PUC-SP. Na época, a maioria das informações eram em papel, não havia informações em sites, como temos hoje. Então foi presencialmente, no dia da inscrição, que examinei as linhas de pesquisa da PUC-SP. Não existia ainda a discussão sobre assistência social tal como conhecemos hoje. Decidi fazer o mestrado no Serviço Social. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR):  Como foi a passagem da Psicologia para o Serviço Social?

Edgilson Tavares de Araújo:  A passagem foi intuitiva. Olhei o folder de divulgação das linhas de pesquisa, então decidi que queria fazer Serviço Social. Além disso, me encantei ali porque existia uma linha de pesquisa intitulada “Movimentos sociais e política social”. Quando li “movimento social”, percebi que era ali que eu me encaixava. Lembrei-me agora de algo que me esqueci de falar anteriormente: fiz, na UnB, uma Especialização em Estratégias de Comunicação e Mobilização Social, na Faculdade de Comunicação. Foi uma parceria do Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância com a UnB e a John Snow Brasil. Foi o meu primeiro contato mais teórico com o campo de políticas públicas, porque eu tive aulas com professores como Vicente Faleiros. Então, meu primeiro contato acadêmico com a Assistência Social foi na disciplina de Vicente Faleiros, nessa especialização em Comunicação. Como disse, na graduação, eu tinha feito um TCC sobre valores e comprometimento. Nesse momento da especialização, fiz um TCC sobre os discursos e as práticas nas parcerias entre Estado e Organizações de Sociedade Civil.

Maria Aparecida Abreu (IPPUR):  O TCC já era exigido na graduação em administração, na época?

Edgilson Tavares de Araújo:  Sim, já era exigido. Não era obrigatório nas diretrizes curriculares, mas na minha universidade era. Na especialização, fiz um trabalho sobre Parcerias, Estado e Sociedade Civil, um estudo qualitativo. Para isso, selecionei as políticas públicas de educação, assistência social e saúde, comecei a analisar a relação entre discursos e práticas e entrevistei parlamentares, gestores de ONGs, gestores governamentais etc. Esse trabalho foi orientado por Mário Volpi, que é do Unicef, e havia sido meu professor. O trabalho foi publicado. A transição da Psicologia para o Serviço Social se deu também por influência desse TCC, porque foi quando eu decidi estudar políticas públicas, com as quais eu já trabalhava. Fui para o Serviço Social e, chegando lá, continuei o estudo sobre parcerias, dessa vez entre Estado e sociedade civil no campo da educação de pessoas com deficiência. O estudo foi intitulado “Em nome da inclusão”, abordando as parcerias entre Estado e sociedade civil, na organização especializada do atendimento à pessoa com deficiência. Fiz uma análise bem crítica a respeito da então denominada “educação especial”, abordando o trabalho das profissionais da Assistência Social. Fui trabalhar na APAE de São Paulo e, nela, coordenar o Instituto APAE de Ensino e Pesquisa. Fiquei lá por três anos. Junto com o trabalho na APAE, estava fazendo mestrado e, por conta de um estresse, pedi demissão e fiquei ainda em São Paulo por seis meses prestando consultorias. Neste trabalho, tive oportunidade de conhecer várias organizações e fui convidado para prestar consultoria a uma organização internacional denominada Sense International, voltada para as pessoas com deficiência múltipla e surdocegas, com sede no Reino Unido e com escritório em vários países. Trabalhei vinculado ao escritório da Colômbia. Tive, então, experiências profissionais em vários tipos de organizações, a partir de um tema em comum que é o das políticas públicas. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR):  E um problema social que é o da inclusão, não?

Edgilson Tavares de Araújo: Sim. Às vezes me perguntam se eu tenho alguma pessoa próxima com deficiência, mas não, foi um tema colocado pelo destino, não sei. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR):  Você estudou um tema – o da deficiência – que constitui um grande desafio para o campo das políticas públicas. Provavelmente esse tema ajudou a estruturar sua reflexão nesse campo de forma mais sofisticada.  

Edgilson Tavares de Araújo: Exatamente. Então, estava em São Paulo e, na época, Paula Schommer, minha grande amiga de movimento estudantil e fundadora da Fenead – Federação Nacional dos Estudantes de Administração, também estava focada no terceiro setor e, por convite dela, fui trabalhar em Salvador. Minha passagem por São Paulo, embora muito proveitosa, envolveu a perda de 38 decibéis de audição, por conta do estresse que mencionei anteriormente.  Nesse trabalho em Salvador, substituindo Paula Schommer, recebi uma bolsa para coordenar a residência social no CIAGS – Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social, na UFBA – Universidade Federal da Bahia. A partir daí, retomei minha inserção na universidade pública. Chegando em Salvador, Patrícia Mendonça estava deixando suas aulas em uma instituição privada e assumi as disciplinas de Elaboração de Projetos Sociais, Marketing Social e Políticas Públicas. Na mesma semana em que comecei a trabalhar nessa universidade, houve a oportunidade de um concurso para professor substituto na UFBA, para a disciplina de Comunicação Organizacional. A interdisciplinaridade mais uma vez esteve presente. Atuando nesses três trabalhos, depois de um ano, eu estava com um projeto na UFBA, com a Profa. Tânia Fischer, coordenadora do CIAGS, que me convidou para ocupar a coordenação executiva de dois projetos. Um deles era uma incubadora de empreendimentos solidários na área do artesanato, que trabalhava com as artesãs da Península de Itapagipe e Subúrbio Ferroviário de Salvador-BA, e o outro era um MBA em Desenvolvimento Regional Sustentável, de um consórcio de cinco instituições de ensino com o Banco do Brasil. Este último abrangia o Brasil inteiro. Coordenei esses projetos nos dois anos que fiquei como professor substituto e, depois de um período de interstício, por mais dois anos, pois passei em outro concurso, para professor substituto, para a disciplina de Metodologia de Pesquisa. Nesse ínterim, eu havia saído do Unijorge – Centro Universitário Jorge Amado, mas dois anos depois retornei ao mesmo Centro Universitário para assumir a coordenação dos cursos de Administração. O Unijorge tinha, na área de Administração, cinco cursos e 18 projetos pedagógicos. Meu desafio era unificar tudo, pois na época havia as habilitações e, com a mudança das Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs, eu tinha que unificar em uma só, então criei um curso que mesclava um pouco de administração pública e privada, com um pouco de tudo. Mudei o tipo de TCC, abrigando também casos de ensino. Então comecei a cursar o doutorado em Serviço Social da PUC-SP. Fui orientado por Marta Campos no mestrado. No doutorado, eu tinha indicado o nome de três professores como possíveis orientadores, só que eu prestei a seleção do doutorado e fiquei em primeiro lugar. Fiz uma prova boa, com nota máxima. A Profa. Aldaíza Sposati não abriu mão de ser minha orientadora. A proposta inicial de projeto de tese era voltada para a questão das provisões socioassistenciais no SUAS para pessoas com deficiência, depois mudou para a questão dos benefícios: BPC – Benefício de Prestação Continuada, transferência de renda etc. Enquanto estava fazendo o doutorado, decidi deixar o Unijorge e seguir a sugestão da Aldaíza de fazer um doutorado sanduíche. Pretendia ir para a Espanha, mas acabei indo para Portugal, passar um ano vinculado à Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, mas passei os últimos três meses em Madri, na Espanha. Quando voltei, Aldaíza sugeriu que eu mudasse de tema, abordando aquele em que eu estava envolvido no CIAGS, que era o da gestão social e desenvolvimento, que era importante também para a assistência social e que seria a primeira tese sobre o tema na PUC-SP. Concordei e fiz uma tese basicamente sobre a formação do campo da Gestão Social.  Daí veio o meu engajamento explícito no Campo de Públicas e passei a integrar o grupo que fundou a Associação Nacional de Ensino, Pesquisa e Extensão do Campo de Públicas (ANEPCP), como representante da Gestão Social, principalmente por causa da minha tese. Voltando de Portugal, também foi publicado o edital de um concurso para a UFRB – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Eram duas vagas: uma para Elaboração e Avaliação de Projetos Sociais e a outra, de Políticas Públicas. Eu me inscrevi em ambos, na época, porque as provas eram em datas diferentes. Prestei o concurso, passei para Políticas Públicas. Então, já que tinha passado em primeiro lugar, abri mão do outro. Eu tinha também me inscrito em outra vaga na UFBA, só que em uma área que não tinha nada a ver comigo. Como passei na UFRB, fui para Cachoeira-BA, bem feliz. Fiquei sete anos lá, com atuação extensionista e o setor da prática muito fortes. Lá no curso de Gestão Pública, fui professor das disciplinas Participação e Sociedade Civil, e Políticas Públicas. Tinha uma outra disciplina optativa que eu lecionava, que era Política e Gestão do SUAS, dentro de Gestão Pública. Além das disciplinas, também atuei em funções de gestão da universidade.

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Quais funções de gestão você desempenhou?

Edgilson Tavares de Araújo: Fui coordenador de curso de graduação tecnológica em Gestão Pública, coordenador de pós-graduação lato sensu, fui assessor da direção, fui coordenador de área de conhecimento. Porém, por questões pessoais e familiares, decidi mudar para a UFBA. Tentei minha redistribuição e não consegui. Quis ir para a UFBA porque ela tem uma tradição muito forte na Administração Pública, porque eu já tinha sido de lá e porque queria reformular o curso de Administração Pública e o de Gestão Social. Não consegui redistribuição, mas abriram um concurso, e eu passei. Com isso, voltei na carreira, uma diferença salarial enorme. Estava na UFBA há três anos quando, no final de 2022, participei da equipe de transição do governo Lula e fui convidado para trabalhar no MDS – Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Então, atualmente, estou no MDS e concluindo as minhas últimas orientações lá da UFBA. Não pretendia mais orientar, mas acabei de me credenciar na ENAP- Escola Nacional de Administração Pública para o mestrado em Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas. Sempre estou nesse desafio na minha trajetória. Se tem uma coisa que resume a minha carreira é a interdisciplinaridade, mas acho que é também uma tradução dessa interdisciplinaridade na prática. Penso que o meu papel sempre foi o de ser um tradutor do que é fazer a gestão pública, do que é fazer a gestão social. Penso que essa tradução é muito importante para o conhecimento dos estudantes. Esse tipo de tradução não se aprende apenas na universidade, sendo necessário curiosidade para a busca desse conhecimento fora dela também. Por exemplo, o meu conhecimento do SUAS não veio da universidade, mas veio também e, principalmente, de minha prática profissional. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR):  Nessa trajetória, você poderia falar um pouco mais detalhadamente sobre quais escolhas e decisões você considera, hoje, terem sido as mais importantes?

Edgilson Tavares de Araújo: A primeira de todas acho que foi em relação ao que iria seguir político-ideologicamente: afirmar-me como uma pessoa de esquerda progressista foi fundamental. Até hoje eu não sou filiado a nenhum partido e não pretendo me filiar, por enquanto. Por exemplo, o que a Comunidade Solidária representava do ponto de vista de política pública? Eu acreditava naquilo? No início daquela experiência, eu tinha vergonha e falava que era de centro-esquerda, mas aos poucos decidi me afirmar: sou uma pessoa de esquerda, progressista, ponto. Então, tal decisão foi fundamental para me afirmar academicamente e profissionalmente. Outra decisão muito importante foi a de experimentar, não ter medo dos experimentos: “agora vou para São Paulo”, “agora vou voltar para Brasília”. Uma certa ousadia que eu desenvolvi enquanto estava jovem. Outra decisão importante foi ter realmente ido de corpo, alma e coração para a Assistência Social. Depois de ter experimentado várias áreas, eu consegui enxergar o que era a minha paixão e em que eu queria me especializar e ser referência. Tomei a decisão de adotar como objetivo tornar-me uma referência na Assistência Social. Atualmente, desde junho de 2024, estou na presidência do CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social. Penso que estou no caminho certo.

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Quando você diz “referência”, quer dizer não apenas na dimensão acadêmica, como política também?

Edgilson Tavares de Araújo: É uma referência de valores a serem seguidos na Assistência Social. Mais que uma referência acadêmica, é uma referência de valores mesmo. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Como você relacionaria essa noção de referência com a de liderança?

Edgilson Tavares de Araújo: Não percebo a minha atuação como liderança. No lugar de “liderança”, eu prefiro falar de “reconhecimento”. É interessante porque pessoas dentro do Ministério, hoje, me tratam como professor, e isso não me incomoda, considero uma expressão de reconhecimento. Tal reconhecimento está ligado a uma ideia que já vinha defendendo, que é a de conhecimento “implicado”, que significa conhecimento se materializando em algo prático. Atualmente, tenho consciência de que sempre fiz isso. Então, hoje, eu tenho uma função burocrática, na estrutura do Ministério, e uma função mais política, que é a da presidência do CNAS. Mas esta função não é exclusivamente política. Para lidar com os conflitos presentes no CNAS, é necessário ter uma habilidade de diferenciação dos interesses, que exige conhecimento da história dos setores, e de compreender e executar como esses interesses podem ser traduzidos em regras presentes nas Resoluções e muitas outras que são reveladas contingencialmente. Por isso eu gosto tanto da expressão tecno-política. Minha função é tecno-política. E uma das habilidades da tecno-política que envolve as deliberações no CNAS é o conhecimento de que algumas questões e alguns temas levam tempo para serem aceitas e absorvidas. Um tempo necessário para que as decisões tomadas sejam democráticas. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Você acha que essa habilidade de respeitar o tempo da democracia é um diferencial da esquerda, ao menos naquilo que ela deveria ser? 

Edgilson Tavares de Araújo: O amadurecimento das ideias e dos argumentos é algo que, na minha percepção, tem que ser um dos pilares da esquerda. É o processo de aprendizagem. A gente tem de entender que a democracia não é um jogo. A democracia é um processo de aprendizagem. A gente vai aprendendo, as pessoas vão aprendendo junto com você, então se consegue uma decisão e um entendimento compartilhados. Se a gente se desespera, a democracia passa a ser usada apenas como um jogo. Luiz Werneck Vianna falava muito bem disso: é a democracia se aproximando de um ideal republicano. Penso que um grande desafio para a esquerda hoje é fazer com que a democracia cada vez mais se aproxime do ideal republicano de um entendimento comum, porque senão a gente se perde.

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Em sua produção acadêmica, por meio de ensino, publicações e orientações, um leque amplo de temas da administração pública e do Serviço Social está presente. Contudo, é possível identificar dois eixos principais: a avaliação das políticas públicas e a preocupação com temas de inclusão: PCD, sexualidades, opressões etc., sempre, acredito, do ponto de vista do Serviço Social e sua relação com o campo das políticas públicas. Você poderia falar um pouco se há uma diferença na perspectiva de abordagem em cada um desses eixos? 

Edgilson Tavares de Araújo: Você sabe que, atualmente, eu nem gosto muito de falar de inclusão. Já falei muito disso, mas atualmente prefiro falar das diversidades, no plural. Porque, na verdade, tenho uma perspectiva bem crítica do uso do termo inclusão. Acredito que ele traz uma carga muito neoliberal. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Parece estar sempre com a pressuposição de alguém estar estabelecido e de outrem que precisa ser incluído.

Edgilson Tavares de Araújo: Exatamente. É essa a questão e, nessa perspectiva, a sociedade não precisaria fazer nada, parece que a pessoa, individualmente, tem que se adequar: pressupõe sempre que existem os excluídos que devem ser incluídos. Então, excluir de quê? Para quê? Para onde?  Na minha perspectiva, prefiro muito mais a gente falar do respeito às diversidades e na garantia de direitos das diversidades. Esta questão esteve presente nos debates do CNAS. Quando a gente foi caracterizar os públicos da defesa e garantia dos direitos da Assistência Social, e aí listou todos aqueles públicos – pessoas negras, mulheres, crianças, adolescentes, ciganos, quilombolas, LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, pessoas idosas etc. – assumi a posição de professor e defendi que não era necessário listar todos eles, especificamente, pois a grande questão é que, no SUAS, dentro de uma lógica de proteção social, a gente tem que reconhecer que pessoas com deficiência, pessoas negras, mulheres, etc., são pessoas que são vulnerabilizadas devido aos seus marcadores sociais de diversidade, em uma sociedade que é extremamente preconceituosa e discriminatória. Perguntam-me: “mas então quer dizer que, se uma pessoa tem deficiência, a deficiência é uma vulnerabilidade?”, eu respondo que não deveria ser, mas na sociedade capacitista em que a gente vive, ela acaba sendo colocada desta forma. Assim, quando a gente intersecciona as diversidades, temos, por exemplo, uma pessoa negra: ela pode ser uma mulher rica, mas ela não deixa de ser uma mulher negra. Mesmo ela sendo uma mulher rica negra, em algum momento ela poderá ser afetada pelo racismo ou pelo machismo, que são estruturais. Portanto, hoje, penso que as políticas públicas, principalmente a Assistência Social, no SUAS, têm de ser trabalhadas na perspectiva da diversidade e da interseccionalidade. Outro desafio: a interseccionalidade tem de ser um método de trabalho. Fico um pouco agoniado com discursos sobre interseccionalidade relacionando-a com a diversidade, como conceito, como categoria de análise, apenas. A interseccionalidade, para mim, tem de ser um método de formulação e avaliação de políticas públicas. E adotar esse método no SUAS foi um desafio que eu me coloquei. Até eu sair do governo, a gente vai conseguir pautar a interseccionalidade de uma maneira propositiva. A interseccionalidade tem de ser pautada como método na formulação, na implementação e na avaliação de uma política pública. É adotando-a como método que poderemos combater as desigualdades e as iniquidades sociais.

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Você atua em mais de um programa de pós-graduação. Você poderia nos contar um pouco sobre sua atuação em cada um desses programas e apontar quais os desafios da docência em cada um deles? 

Edgilson Tavares de Araújo: Atualmente eu estou vinculado a três programas. O primeiro deles é o de Gestão de Políticas Públicas (PPGPP), que é um programa profissional, vinculado à área da Ciência Política na UFRB, e lá eu sempre dei uma disciplina obrigatória, denominada Estado, Sociedade e Políticas Públicas, que é uma introdução sobre os conceitos, mas de modo voltado para o problema da formulação de políticas públicas. Tenho um vínculo forte com esse programa, porque a maioria das dissertações que orientei lá abordam, de alguma forma, o tema da diversidade, principalmente o da diversidade racial. No segundo programa de pós-graduação, eu tenho uma breve trajetória. É na UFBA, um programa também de mestrado profissional, em Segurança Pública, Justiça e Cidadania. Nele, orientei apenas dois trabalhos, e os dois também foram voltados à questão racial, no âmbito da segurança pública. Além disso, também estou no Núcleo de Pós-graduação em Administração (mestrado e doutorado), da UFBA. Por fim, estou no PDGS – Programa de Desenvolvimento e Gestão Social, que também é um mestrado profissional. Neste também estão presentes políticas públicas e diversidade. Saí do Programa de Segurança Pública e estou saindo do Núcleo de Pós-graduação em Administração, após a defesa de tese de uma doutoranda, ainda esse mês [abril de 2024]. No semestre passado [2023.2], entrei no Mestrado em Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, da ENAP. Assim, estou no PDGS/UFBA, no PPGPP/UFRB e ENAP. Em todos os programas sempre busquei inovar nos formatos de TCC/Dissertação. Já orientei TCC que foi software, já orientei TCC que foi a publicação de um livro. Esses três programas me encantam porque juntam a possibilidade de associar, além de políticas públicas e diversidade, também a questão tecnológica. Estando no governo e no CNAS, tenho diminuído a intensidade de minha atuação na academia. Por mais que eu seja um cara workaholic, para mim, trabalho tem que ter sentido, significado e tem que trazer felicidade. Como estou feliz com as atividades que venho desenvolvendo, tenho reduzido o número de orientações. Porque quando eu oriento, por exemplo, a questão racial, eu vou atrás, eu vou ler, eu indico leituras. E agora eu não tenho tempo de participar de grupos de pesquisas, então tenho que orientar temas que já estejam no meu cotidiano. Gosto de minha trajetória, nesses programas de que participei, porque uniu políticas públicas e diversidade. Nessa trajetória, eu pude estudar mais a questão racial, a polícia militar, por exemplo. Além dessa atuação, um ponto que eu não mencionei foi minha militância, de 25 anos junto às pessoas com deficiência e, agora, de oito anos junto à população em situação de rua. Foram oito anos com o programa de extensão, vinculado ao Programa “Corra pro Abraço”, no Governo do Estado da Bahia. As inovações que eu inventava todo ano, no âmbito desse programa, já se transformaram em livro, três dissertações e vídeos maravilhosos. Para mim, por exemplo, se você pegar aqueles vídeos, há falas da população em situação de rua que permitem análises em profundidade de temas da Psicologia, da Sociologia, do Campo de Públicas, e talvez também outros. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Agora, vamos falar um pouco sobre como você vê o pertencimento de sua pesquisa aos campos de conhecimento que se constituem no Brasil. Você tem atuado entre os campos do Serviço Social, da Administração Pública e do Campo de Públicas. Você tem participado tanto de encontros acadêmicos do Serviço Social, da Gestão Social, como da Administração Pública, como do Campo de Públicas. Você vê alguma diferenciação na sua contribuição para os três (ou quatro) campos?

Edgilson Tavares de Araújo: São quatro campos que eu desejava que fossem apenas um. Mas penso que são quatro campos, mesmo. Levando em consideração essa divisão, considero que minha pesquisa, para o campo do Serviço Social, traz uma grande contribuição do ponto de vista da gestão, algo que falta no Serviço Social. Já do ponto de vista do Campo de Públicas, minha pesquisa contribui levando problemas tratados pelo Serviço Social relacionados às políticas públicas, o que acaba por resultar em uma ênfase na política de Assistência Social. Então, penso que dou uma contribuição trazendo essa política pública setorial para dentro do Campo de Públicas, enfatizando seus aspectos tecno-políticos, tal como eu defini anteriormente. Isto significa levar para o Campo de Públicas aspectos operacionais que não são fáceis de verificar nas pesquisas desse campo. Se eu pedir a um estagiário egresso do Campo de Públicas para fazer uma minuta de uma resolução do CNAS, provavelmente ele vai ter dificuldades. Dentro de tudo isso, tem de modo transversal o campo de Gestão Social, que perpassa os demais. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Por conta dessa provável dificuldade, são dadas oportunidades aos egressos do Direito, que têm essa capacidade de operacionalização, mas não têm a formação substantiva para intervir no processo.

Edgilson Tavares de Araújo: Exatamente. Eu acho que a gente tem que desenvolver essa competência dentro do Campo de Públicas. Nossos egressos devem ter o conhecimento, mas também devem saber fazer, colocar a mão na massa.

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Até para não deixar o “saber fazer” para aqueles campos que já ocupam muito espaço porque eles sabem fazer.  

Edgilson Tavares de Araújo: Sim. Vou te dar um exemplo: uma das maiores felicidades que tenho é de haver uma egressa de gestão pública da UFRB, que prestou um concurso, e hoje é gestora de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Ela disse para mim que tudo o que ela precisou para o concurso, ela pegou na disciplina dada por mim, e que hoje ela aplica muita coisa lembrando as aulas. Sinceramente, o aprofundamento que nós damos no Campo de Públicas para a instrumentalidade crítica das políticas setoriais ainda é muito pequeno, no sentido de ensino, mesmo. No máximo, o estudante tem contato com isso em alguma pesquisa, ou com algum programa de extensão. Mas a gente sabe que é uma minoria que vai pesquisar ou ser extensionista. Qual tipo de ensino vai ser destinado aos estudantes? Então, acho que o Campo de Públicas ainda peca nesse sentido. A gente precisa de pessoas para saber fazer monitoramento. Exemplo: estou levando um egresso que será meu assessor. Ele sairá de Cachoeira para Brasília, e eu digo a ele para buscar o conhecimento necessário para o desempenho da função que ele exercerá. Atualmente, você já tem em Brasília um grupo do Campo de Públicas na Esplanada e nesse grupo as pessoas falam que falta a eles, muitas vezes, a prática, o conhecimento instrumental. 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Você descreveu bem a contribuição que você trouxe para os quatro campos mencionados. Você poderia indicar o que, para você, os diferencia, como também aquilo que os une?

Edgilson Tavares de Araújo: Prefiro falar o que os une, até porque as fronteiras e limites entre esses campos não são tão claros, são tênues. Penso que o que os une é (ou deve ser) o compromisso com a solução dos problemas públicos por meio do desenho, da implementação e da avaliação de políticas públicas. Tudo isso deve estar alicerçado em fortes valores de defesa de direitos, da democracia, do republicanismo. O Serviço Social, sem dúvidas, abriu minha visão para as expressões da questão social, para compreender o social e os problemas públicos, embora esse não seja um termo usual nesse campo. Obviamente, há uma corrente do Serviço Social que continua muito assentada na identidade profissional e no projeto ético-político, com bases marxistas. Isso é importante, mas é preciso entender que o Assistente Social cada vez mais passa também a atuar como gestor. Na minha opinião, temos que formar para que atuem como gestores sociais. O Campo de Públicas deveria levar mais essa dimensão politizada do Serviço Social para pensar questões da gestão pública e das políticas públicas. O Campo de Públicas se distingue do “puro sangue” da Administração, da Administração Pública, da Ciência Política, Direito, Economia etc. Mas, como campo, sabemos das disputas destes campos disciplinares na influência sobre o Campo de Públicas. A multidisciplinaridade entre esses campos de saber distingue o Campo de Públicas, mas sabemos que ainda há muito a se libertar das amarras disciplinares que prevalecem em um ou outro grupo. É preciso avançar para entender que a possibilidade do fomento a competências tecno-políticas é o que deve distinguir o Campo de Públicas. É preciso parar com essa histórica de ferramenta por ferramenta, instrumento por instrumento. Tudo envolve política, inclusive as escolhas por instrumentos, normas, sistemas, fluxos etc. Por fim, ressalto que dentro do Campo de Públicas, a Gestão Social, que constitui um campo em si, continua sendo minha paixão valorativa e epistêmica. Mas dadas as visões mais academicistas que também existem no Campo de Públicas, a Gestão Social ainda é questionada e pouco legitimada. Mostrar que a Gestão Social é um modo e forma de gestão no Estado e sociedade civil é um grande desafio!  

 

Maria Aparecida Abreu (IPPUR): Para encerrar, você poderia indicar aos estudantes, que lerão sua entrevista, quais as habilidades que você considera essenciais para um egresso do Campo de Públicas, quais as desejáveis, e quais podem ser um diferencial, nos próximos anos?

Edgilson Tavares de Araújo: Penso que é essencial para os egressos do Campo Públicas a habilidade de apurar o olhar, o sentir e o escutar. Sem isso, por mais que tenhamos habilidades instrumentais, não conseguiremos avançar na gestão pública e nas políticas públicas. Olhar, sentir e escutar territórios, pessoas, famílias, grupos é algo que precisamos desenvolver nos processos formativos.  Outra questão que eu coloco sempre é que, desde a graduação, os estudantes consigam ter um olhar mais geral sobre o Campo, mas que busquem aprofundar aspectos teóricos e conceituais, bem como práticos, com relação a temas e públicos específicos. Por exemplo, quando lidamos com a formação sobre planejamento e orçamento público, comumente, é passada uma falsa lógica meramente instrumental. Obviamente, orçamento é um dos instrumentos mais políticos que temos, envolvendo disputas ideológicas, disputas por fundos públicos. Além disso, tratar de orçamento da Assistência Social tem uma lógica própria, de cofinanciamento fundo a fundo etc. Assim, é preciso mais especialização. Ninguém conhece completamente todas as áreas de políticas públicas, todos os setores da administração pública. Ninguém conhecerá! Mas tem que ter a sensibilidade para conhecer, viver, sentir e entender as necessidades e adaptações que são necessárias para cada público, território, política pública. Outra habilidade fundamental é a vontade de aprendizagem contínua e constante, de entender que isso faz parte inexorável da vida do gestor e da gestora pública. Enfim, a tecno-política se faz com olhar apurado, escuta sensível, sentimentos fortes, propósitos democráticos e republicanos firmes e renovação constante do conhecimento!  

 

Muito obrigada, Edgilson.