Boletim nº 20 – 14 de maio de 2020

 

Por Jorge Ferreira de Lima Filho¹

 

Como códigos binários, nos registramos nas paredes, pisos, espelhos e janelas desses dias rotulados.

Nos dividimos como células,

entre grupos de infectados, esquecidos ou privilegiados,

inseridos em uma ficção não calculada,

desenhada pelas desigualdades do capital,

mas talvez não agendada para o agora.

Cegos na claridade de uma biologia mutável e indiferente,

atravessamos a destruição de quase tudo o que foi creditado como lastro da existência imediata.

Por alguns dias saímos das bolhas,

dos trilhos, dos afagos, dos ralos,

entramos em descompassos.

Todas as rotas alteradas,

indefinidamente rasuradas,

para tantos homens e mulheres,

infelizmente manipuladas e inviabilizadas.

Entre planos e desmandos seguimos rotos,

desfeitos, refeitos,

incrédulos,

entre tantos berros maniqueístas e perversos.

Austeros e inquietos diante dos germes remanescentes dos porões que silenciam,

ouvimos os sorrateiros passos dos coturnos dos falsos messias.

O sistema fragilizado convalesce aos ataques do vírus e dos ratos,

a ignorância resiste às vacinas, aos argumentos, ao científico, aos tristes exemplos.

O amazônico colapsa, Iracema suplica, o frevo silencia, o morro grita, a pauliceia se modifica,

mas Brasília brinca entre as estrelas norte-americanas e israelita.

No palácio não há rei!

No planalto já não mais se ouve o coro agoniado das nossas estrelas,

Sufocadas pelos estrondos das armas e das máquinas de uma horda de parasitas e canalhas.

É retumbante o som do naufrágio da jovem democracia sul-americana.

Tic-tac, tic-tac, tic-tac…

Os minutos a mais e a menos brigam na balança do tempo e conduzem o ritmo fúnebre nas cidades.

Nos vazios das ruas apenas as sombras e vultos dos invisíveis,

no balançar das metamorfoses vislumbramos apenas a esperança.

A vida, a live e a arte se impõem antagônicas entre a necessidade e a extravagância.

O novo impõe a reprodução do velho.

Consumir, consumir, consumir…

Os códigos genéticos por descobrir.

Mas, e daí?

Entre o bêbado afundado na latrina do ódio e da milícia, e o povo, eterno equilibrista,

a existência de alguns milhares de adeus a tantos entes, gênios e heróis.

E um bêbado nefasto no comando,

trajando e desdenhando luto.

Pandemônio absoluto!

8 mil partiram sozinhos.

A reposta ao tempo que ninguém quer sentir!

A natureza respira,

traga o ar denso e a matéria humana das incertezas.

Virtualmente a vaidade se altiva,

se exercita,

a solidariedade se evidencia.

No digital, as escolas se desumanizam,

as crianças e jovens se deseducam,

os alunos cumprem tarefas,

mas se perdem nos limites dos arquivos e das conexões restritas.

Os olhos dos alunos não veem os movimentos dos territórios,

não são convidados para sonhar o seu “lugar no novo mundo”.

São treinados para virar números,

transformam-se em estatísticas,

em futuro que insistem em definir por mim.

Na Babel emergente, os subúrbios tecem trincheiras,

os “condomínions” festejam,

enquanto os cientistas tentam falar a mesma língua.

As geografias se aprofundam,

as hipóteses já não se calculam,

a resiliência vira íntima,

os 600 reais vira sina,

e o povo vira novamente vítima.

Dias soberbos, insanos…

Dois, zero, dois, zero,

códigos estranhos.

¹Geógrafo e Professor substituto de Geografia no Colégio Agrícola Vidal de Negreiros, em Bananeiras (PB) (CAVN – Campus III – Universidade Federal da Paraíba).