NAJUP Luiza Mahin e Movimento de Mulheres Olga Benario lançam Cartilha sobre a Casa Almerinda Gama e o enfrentamento à violência contra as mulheres

Boletim nº 84, 10 de dezembro de 2024

Maria Clara Borges Rodrigues

Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRJ. Integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Luiza Mahin – FND/UFRJ.  E-mail: brodriguesmariaclara@gmail.com

Mariana Guimarães

Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ. Extensionista do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Luiza Mahin – FND/UFRJ e da Agência IPPUR – IPPUR/UFRJ. E-mail: mariana.guimaraes@fau.ufrj.br.

 

Foi lançada, oficialmente, no dia 29 de novembro, a Cartilha “A Casa Almerinda Gama e a Rede de Atendimento e Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres”, resultado do esforço conjunto do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular  (NAJUP) Luiza Mahin e o Movimento de Mulheres Olga Benario. Seu principal objetivo é auxiliar, a partir de uma linguagem acessível, na conscientização das mulheres, especialmente em situação de vulnerabilidade, acerca das violências de gênero existentes na sociedade e suas formas de enfrentamento. Inserida no contexto de atuação do Movimento Olga Benario, a Cartilha foi construída sob o marco teórico do pensamento marxista, a partir do comprometimento e engajamento das alunas de graduação e pós-graduação extensionistas do NAJUP Luiza Mahin na sua elaboração, as quais se valeram de materiais de formação produzidos pelo movimento em outras cidades, cursos e apostilas de capacitação sobre os direitos da mulher e da experiência das militantes que auxiliaram no processo de produção do documento. 

 A Cartilha foi estruturada em quatro partes. Na primeira seção, apresenta o Movimento Olga Benario, a Casa Almerinda Gama e o contexto e bases sobre os quais se assenta a sociedade brasileira, ou seja, a realidade da mulher brasileira a partir de um recorte não apenas de gênero, mas também de raça e classe. Nesse momento, traz dados acerca dos crescentes índices de violência contra a mulher no Brasil, enfatizando, com isso, ser este um problema estrutural que deve ser enfrentado de maneira coletiva. Em briga de marido e mulher, todos devem meter a colher.

A seguir, de forma complementar ao tópico anterior, a Cartilha aborda a existência de um ciclo de violência que mantém mulheres reféns de relacionamentos abusivos, enumera, explica e exemplifica, de maneira informal, diversos tipos de violência das quais as mulheres são comumente vítimas. Dentre os exemplos levantados, ressalta-se a menção à violência institucional, que cotidianamente revitimiza mulheres que buscam denunciar seus agressores e efetivar seus direitos previstos em lei, dificultando o reconhecimento dos casos de violência. 

Em seguida, indica e explica as possíveis medidas protetivas de urgência a serem determinadas pelo ou pela juíza competente contra o agressor ou destinadas à proteção da vítima e seus filhos. Por fim, a Cartilha exibe uma lista de contatos da Rede de Apoio à Violência Contra as Mulheres, com endereços, números de telefone e informações sobre o funcionamento e formas de acesso aos serviços públicos, e outros espaços, de acolhimento e atendimento específicos às mulheres vítimas de violência. Dentre os locais que podem ser buscados pelas mulheres, constam-se os Centros Especializados de Atendimento à Mulher, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), os Núcleos Especializados no Acolhimento e Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Familiar (NUDEMs), Defensorias Públicas Especializadas, a Casa da Mulher Carioca e a própria Casa Almerinda Gama, como parte efetiva dessa rede. 

Além do trabalho de conscientização e emancipação para mulheres, o material demonstra como a Casa Almerinda Gama, além de promover o cumprimento da função social de um prédio até então abandonado, faz parte da Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher do Estado do Rio de Janeiro. Segundo os dados do Dossiê Mulher produzido pelo Instituto de Segurança Pública, a cada hora, 14 mulheres sofrem algum tipo de violência no Estado do Rio de Janeiro em 2022  (Dossiê Mulher 2023). Foi nesse cenário de expressiva produção de violência contra a mulher, sobretudo de mulheres negras e periféricas, que nasceu a ocupação Casa Almerinda Gama. A Casa é um espaço de resistência e formação política popular livre do machismo, da violência e da fome, organizado e mantido por militantes do movimento Olga Benario e profissionais voluntárias, tendo como objetivo o acolhimento, atendimento humanizado e abrigamento de mulheres em situação de violência e/ou vulnerabilidade social, junto de suas crianças.

Ao ocupar um imóvel público abandonado pelo Estado há quase uma década e desenvolver as atividades da casa, o movimento denuncia não apenas a ineficácia das políticas públicas de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher no estado, mas também o não cumprimento da função social de diversos imóveis públicos vazios no centro do Rio de Janeiro. Segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, em 2021, a região central da cidade possuía 877 imóveis vazios ou subutilizados (Franco e Vieira, 2024). Esse dado torna-se ainda mais relevante quando evidenciado ao lado do crescente déficit habitacional no Brasil, em torno de 6,2 milhões de domicílios em 2022, deste total 62,6% são de lares chefiados por mulheres (Tamietti, 2024), verificando-se uma verdadeira feminização do déficit habitacional, decorrente não apenas da divisão sexual do trabalho e as desigualdades no mercado laboral, mas da violência doméstica e patrimonial da qual muitas mulheres são vítimas (Trotta e Sobrinho, 2024). Além disso, segundo a Fundação João Pinheiro, apenas no estado fluminense são mais de 500 mil domicílios em situação de vulnerabilidade, dos quais mais de 400 mil se encontram na região metropolitana (Fundação João Pinheiro, 2022). A Casa Almerinda confere propósito a um espaço que estava totalmente sem uso.

A partir do repertório metodológico do NAJUP Luiza Mahin, baseado na educação popular, assessoria jurídica popular e pesquisa militante, com ênfase no protagonismo estudantil, que permite aos extensionistas a troca de saberes com movimentos sociais do estado do Rio de Janeiro, a Cartilha não apenas contribui na formação de uma consciência crítica dos extensionistas e futuros profissionais, como também coopera na disseminação do conhecimento sobre os direitos das mulheres que recorrem à Casa Almerinda e, consequentemente, na sua emancipação. Mas além da Casa Almerinda, por meio da atuação extensionista, pretende-se utilizar o documento em outras ocupações assessoradas pelo NAJUP Luiza Mahin, como auxílio material nas rodas de conversas e formações sobre violência contra a mulher.

O resultado final foi divulgado, inicialmente, na 13º Semana de Integração Acadêmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que aconteceu entre os dias 25 e 29 de novembro. O trabalho recebeu menção honrosa pela banca avaliadora e apresentou a construção coletiva da Cartilha, a parceria entre o projeto de extensão e o movimento popular e aspectos da luta pelo cumprimento da função social da cidade interseccionada com a luta pelos direitos das mulheres, com um importante debate sobre o papel da extensão na formação crítica dos estudantes e do compromisso da universidade pública com transformações sociais orientadas à diminuição das desigualdades. 

No evento oficial de lançamento, realizado na Casa Almerinda Gama e aberto a toda comunidade, o documento foi apresentado aos presentes, em sua esmagadora maioria mulheres, pela professora Mariana Trotta, umas das professoras coordenadoras do NAJUP Luiza Mahin, e estudantes da graduação e pós-graduação dos cursos de Direito e Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro que integram o projeto e fizeram parte da elaboração da Cartilha. 

A semana marca uma data importante: no dia 25 de novembro de 1960, as irmãs Mirabal foram torturadas e assassinadas pela ditadura de Rafael Leônidas Trujillo, na República Dominicana, em razão da resistência que representavam ao governo vigente. O dia foi, então, instituído pela ONU como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres (Arroyo, 2017). Simbolicamente, o Movimento Olga Benario ocupou mais 3 imóveis no estado de São Paulo, consolidando uma agenda de luta alinhada à data. Com a apresentação da Cartilha Almerinda Gama fechou-se, então, a agenda de atividades da semana de luta contra a violência contra a mulher. 

“Pela vida das mulheres e contra a violência, resiste, Almerinda, Casa de Resistência”

Acesse o PDF da Cartilha aqui.

Referências Bibliográficas

ARROYO, Larissa. Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres: o assassinato das irmãs Mirabal que deu origem à data. BBC News Brasil, 25 nov. 2017. BBC Mundo. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/internacional-42125587 >. Acesso em: 14 out. 2024.

Dossiê Mulher 2023: pelo segundo ano consecutivo, a Violência Psicológica foi o crime com o maior número de vítimas mulheres. Instituto de Segurança Pública, 31 out. 2023. Notícias. Disponível em: < https://www.rj.gov.br/isp/node/714 >. Acesso em 03 dez. 2024.

 FRANCO, Larissa Batista. “A cidade quem é que faz?”: Ocupação Casa de Referência Almerinda Gama e a ressignificação do espaço urbano por meio da atuação do movimento de mulheres. 2022. 69 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé, Universidade Federal Fluminense, 2022.

FRANCO, Larissa Batista; VIEIRA, Fernanda Maria. Quando as mulheres entram em cena! A luta pela cidade na ótica do Movimento de Mulheres Olga Benario na Ocupação Casa de Referência Almerinda Gama. Seminário Internacional Fazendo Gênero 13 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2024, ISSN 2179-510X

hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2013. 

QUINTANS, Mariana Trotta Dallalana; ZUMA, Monique Gonçalo. A resistência da Casa Almerinda Gama à precarização da vida de mulheres vítimas de violência no Rio de Janeiro. Seminário Internacional Fazendo Gênero 13(Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2024, ISSN 2179-510X

TROTTA, Mariana; SOBRINHO, Taiana de Castro. Mulheres e moradia: despejos e remoções enquanto violências de gênero. Revista da Defensoria Pública da União, v. 21, n. 21, p. 157-181, 27 jun. 2024.

 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC (UFABC); CASA DE REFERÊNCIA HELERINA PRETA. Cartilha Violência contra as mulheres: Conhecer para Combater! Guia rápido para profissionais e lideranças sociais. São Bernardo do Campo: UFABC, 2020.