Ribeirinhos Urbanos: uma vida à margem do direito à moradia

Boletim nº 7 – 04 de dezembro de 2019

 

Quem são os ribeirinhos urbanos? Essa população que vive à beira-rio no espaço urbano e que pode ser caracterizada como os mais despossuídos dos despossuídos, em termos de direito à moradia. Nesta dissertação do IPPUR, o pesquisador e jornalista Rogério Daflon Gomes volta o seu olhar para essa população ribeirinha na cidade do Rio de Janeiro a partir do estudo de caso da favela Mandela de Pedra, destruída em 2008 e 2009 por conta das obras do PAC.

A dissertação “Ribeirinhos Urbanos: uma vida à margem do direito à moradia”, do pesquisador Rogério Daflon Gomes, foi defendida no ano de 2016 sob a orientação da Profa. Dra. Luciana Corrêa do Lago, e representa mais um resultado do IPPUR/UFRJ.

O trabalho teve como propósito expor o modo de vida da população ribeirinha urbana na cidade do Rio de Janeiro, utilizando como estudo de caso uma favela que foi destruída em 2008 e 2009: Mandela de Pedra.

Em seu lugar, no bairro de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, um imenso vazio continuava à espera de uma via expressa anunciada pelo poder público no ano de 2016.

Segundo Rogério Daflon, cerca de 300 famílias que moravam em Mandela de Pedra expõe algo central neste estudo: seu remanejamento não significou o direito à moradia assegurado.

 

POPULAÇÕES RIBEIRINHAS URBANAS

De acordo com a pesquisa, quando se fala em população ribeirinha, há um imaginário que nos faz pensar nos grandes cursos d’água na Região Norte do país. Mas o trabalho de Rogério Daflon volta o seu olhar para o que vai se chamar aqui de ribeirinhos urbanos. A questão que se vai abordar é a da fragilidade deles diante das reconfigurações do ambiente construído, já que o trabalho de campo no estudo se refere a populações ribeirinhas que conviveram com uma política pública em grande escala: a do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro, com a maioria dos recursos vindo do governo federal, mas em parceria com o governo do Estado e a prefeitura.

O objetivo é mostrar como fica a correlação de forças para essa população ribeirinha diante de conflitos socioespaciais em um determinado ambiente construído, no caso o espaço delimitado pelo PAC de Manguinhos.

Segundo Rogério Daflon, em Manguinhos, o poder público entrou na disputa pelo espaço, junto com “uma facção do capital procurando juros e lucros através da construção de novos elementos no meio construído (os interesses da construção)” (HARVEY, 1982, p.07).

Outro ator importante nessa correlação de força é o crime organizado. Os moradores e suas diferentes localizações completam esse quadro de enfrentamento, apesar dos esforços do poder público para manter as aparências.

“O estudo de caso desta dissertação serve ainda para expor esses conflitos de forma mais explícita. Trata-se da Favela Mandela de Pedra, em Manguinhos, que surgiu nos anos 1990 à beira do Canal do Cunha e foi totalmente erradicada em 2010, no contexto do PAC. O terreno pertence à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), e sua ocupação percorreu o Canal do Cunha, chegando aos conjuntos habitacionais Samora Machel e Nelson Mandela, beirando, nesse ponto, o Rio Faria-Timbó. As moradias ali eram de madeira, chapas metálicas e alvenaria. A rua principal era chamada de Avenida Atlântica, uma irônica referência à principal via de Copacabana (TRINDADE, 2012, p.65-68). Com a implementação do PAC, ocorreu a remoção de, primeiramente, cerca 300 famílias, no trajeto onde se passaria uma via. De acordo com Granja (2008), havia pelo menos outras 300 famílias em 2008, que não ocupavam aquele trajeto”, explica Daflon.

 

TRABALHO DE CAMPO

O trabalho de campo foi realizado em localidades ribeirinhas dos rios Jacaré e Faria Timbó e Canal do Cunha, além de ter sido feito com os ex-moradores de Mandela de Pedra, encontrados em outra favela conhecida como Terreninho, mais distante apenas 30 metros das margens do Canal do Cunha. Foram realizadas entrevistas com moradores e pesquisadores que atuam ou atuaram na região.

Segundo Rogério Daflon, uma moradora foi fundamental nesse processo. “Trata-se de Jane da Silva, uma das pessoas de Mandela de Pedra que obteve o direito de morar em um dos conjuntos habitacionais do PAC. Ao ser informada sobre o teor da dissertação, Jane levantou-se do sofá de sua sala, onde estava sendo entrevistada, e levou este pesquisador justamente ao Terreninho, onde se encontravam famílias que residiam em Mandela de Pedra. Ali, pôde-se fazer uma comparação das atuais condições de moradia dessas pessoas em relação às de Mandela de Pedra”, aponta.

As entrevistas realizadas foram estruturadas a partir de perguntas acerca do processo de remoção e das condições da vida à beira rio direcionadas a dez moradores de Mandela de Pedra e de comunidades vizinhas. As entrevistas foram direcionadas levando-se em conta questões como se a vida melhorou após um remanejamento pelo poder público, se os moradores de Mandela de Pedra encontrados durante a pesquisa preferiam permanecer onde estavam anteriormente a onde estão agora e se eles conseguiam de alguma forma lidar com as condições adversas em Mandela de Pedra configuradas por enchentes e más condições sanitárias.

“Essas entrevistas ofereceram um quadro que se contrapõe ao discurso do poder público quanto ao impacto da política pública do PAC no dia a dia dessas pessoas. Dessa forma, deixaram claro que essas pessoas se expressam de maneiras distintas sobre a questão do risco ambiental em relação ao discurso oficial do poder público. A partir do momento em que se dá voz a essas pessoas, vêem-se claramente outros riscos não propalados pelos agentes da política pública, que, fica, portanto, com uma lacuna na sua implementação”, relata Daflon.

 

PODER PARALELO

Rogério Daflon relata no trabalho a presença do  tráfico de drogas, que é um poder na disputa do espaço provocada pelas obras do PAC.

“Nas populações ribeirinhas de Manguinhos, ele foi um ator silenciador da frágil articulação entre os moradores que existia na extinta Favela Mandela de Pedra. Em áreas como as ribeirinhas, nas quais a ausência de direitos dá o tom, a começar pela não observância do direito à moradia, o poder paralelo parece ficar mais à vontade de subjugar seus moradores”, afirma e completa:

“Assim, o risco dos ribeirinhos urbanos não se limita à poluição dos corpos hídricos e às inundações. É o preço que eles pagam por não terem renda para participar do mercado imobiliário formal. Eles ilustram de uma forma devastadora a epígrafe extraída de um artigo de David Harvey emoldurado nesta dissertação. Assim, a hipótese de que as populações à beira-rio no espaço urbano são os mais despossuídos dos despossuídos, em termos de acesso ao direito à moradia, está confirmada, para adiantar assim parte da conclusão”

 

Para acessar a dissertação na íntegra, clique aqui.