Mulheres na Produção do Conhecimento

Boletim nº 12 – 17 de março de 2020

 

Em continuação à série “Mulheres na produção do conhecimento”, o Boletim do IPPUR convidou, no mês do Dia Internacional das Mulheres, profissionais, cientistas, pesquisadoras e professoras para refletir sobre a atuação feminina na produção do conhecimento científico. Diante de indubitáveis avanços e conquistas das mulheres na ciência, segundo muitos sociólogos, a maior divisão social que afeta a nossa sociedade é ainda a divisão sexual. A igualdade de gênero persiste enquanto prioridade entre os objetivos do milênio definidos pelas Nações Unidas. Como a diferença de gênero se manifesta no campo científico e acadêmico? E como as mulheres cientistas vivenciam isso na vida cotidiana e profissional?

Nessa edição, contamos com as importantes contribuições e reflexões de duas profissionais do campo do Planejamento Urbano e Regional e do Campo de Públicas: Tamara Egler, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Lindijane de Souza Bento Almeida, do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Elas trazem suas perspectivas e compartilham experiências sobre os desafios inerentes ao papel da mulher na ciência e na produção do conhecimento, desde a reduzida representação no corpo docente universitário até diferentes tipos de segregação no lugar de trabalho.

Formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), Tamara Egler lembra: “ao longo de minha longa formação, cinco anos em período integral,, [t]ive apenas duas professoras”. A baixa representação de mulheres na composição do corpo docente, segundo a Professora, é algo que caracteriza também o primeiro programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, criado em 1973 na UFRJ. Como Tamara aponta, “entre a vida acadêmica e a política as professoras ocupavam um lugar periférico no então nascente campo”, que excluía as mulheres da criação da base e dos pilares da pesquisa e da produção do conhecimento no campo do Planejamento Urbano e Regional.

Lindijane Almeida ressalta que, mesmo tendo vivenciado uma maior representação de mulheres no campo acadêmico, muitas vezes existem diferenças marcantes entre diferentes áreas. Nas Ciências Sociais, ela diz que a participação das mulheres é muito mais avançada do que nos campos da Gestão e da Administração Pública. Isso produz um processo de segregação horizontal que é resultado de uma herança histórica pautada em preconceitos e estigmas que determina áreas mais reconhecidas e valorizadas, em que os profissionais de sexo masculino dominam. Ao mesmo tempo, continuamos assistindo a uma segregação de tipo vertical porque, mesmo tendo alguns direitos garantidos de forma igualitária no mundo acadêmico, “vivemos em um ambiente [no qual]… quem ocupa os cargos de direção e administração nas IFES [Instituições Federais de Ensino Superior] no Brasil são, em sua maioria, homens”. Existem, portanto, muros invisíveis que impedem a ascensão profissional. Além disso, mesmo quando a mulher ocupa um cargo de chefia, as suas decisões e encaminhamentos podem ser contestados e não respeitados.

O mesmo sexismo é destacado por Tamara: “quando arquitetas e engenheiras se apresentam nas obras são prontamente questionadas pelos trabalhadores, por que eles não aceitam que uma mulher possa comandar o processo de construção”.

Tamara, na qualidade de arquiteta e socióloga, provoca uma reflexão para pensarmos a análise das relações de gênero através da categoria social de Campo, assim como definido pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Para ela essa categoria permite compreender as relações de gênero dentro de um campo no qual se compartilham formas de pensar, fazer e ser. Conceituar o campo do gênero significa, assim, considerar como o poder da dominação se manifesta e se mantém nas relações sociais.

Apesar dos desafios existentes e persistentes em relação ao papel da mulher cientista, Tamara e Lindijane terminam a entrevista com uma visão positiva para o futuro. Para Tamara, é inegável que a condição da mulher progrediu nas últimas décadas, pois a “condição das mulheres está associada ao processo civilizatório”, encontrando-se em constante processo de evolução. Isso deve ser feito através de constantes lutas. Para Lindijane, “mulheres que têm vocação para a docência não devem desistir de seu sonho, porque um dia o magistério será valorizado nesse país. Um dia as mulheres serão maioria na política, um dia teremos uma sociedade mais justa, igualitária, ou seja, democrática!”

Para ver as entrevistas na íntegra, acesse aqui.