Capitalismo global pós-pandemia COVID-19: declínio do neoliberalismo ou contra-ataque do Estado? Uma leitura desde Gramsci
Boletim nº 22 – 28 de maio de 2020
Por Carlos Sánchez¹ e Benjamin Lujano²
O surgimento de uma nova fase de desenvolvimento ou Capitalismo do Conhecimento, durante a década de oitenta, implicou a formação de uma nova base tecnológica a partir da invenção do microprocessador e do desenvolvimento de software, e sua articulação com o toyotismo como uma nova forma organizacional e direção do trabalho, dando lugar a uma nova revolução industrial e ao estabelecimento do setor de eletrônicos, informática e telecomunicações como padrão industrial desta nova fase, substituindo o complexo automotivo, metal-mecânico e petroquímico do fordismo – keynesiano.
O ímpeto para essa nova base tecnológico-produtiva veio do boom da financeirização, particularmente do capital de risco, que permitiu a um grupo de empresários schumpeterianos conceber e projetar uma série de mercadorias com crescente valor cognitivo adicionado. Esse processo deu origem à aceleração das taxas de inovação e ao dinamismo da economia baseada na oferta, estabelecendo uma tendência contrária àquela de queda da taxa de lucro industrial na crise da fase de desenvolvimento fordista – keynesiano e inaugurando uma nova etapa de boom e crescimento econômico durante o crepúsculo do século XX.
A partir dos elementos econômico-estruturais anteriores, ocorre o surgimento de um novo bloco histórico nos Estados Unidos, tendo como classes dominantes os grupos financeiros de risco de Wall Street em aliança com empresários do Vale do Silício e indústrias criativas de Hollywood, que conseguem reunir um grupo de movimentos sociais compostos por feministas, anti-racistas, ambientalistas e gays, além de grupos sociais de latinos, jovens e afro-americanos. Essa reunião precede o cancelamento do papel redistributivo do Estado em favor do mercado via financeirização.
Como frações subordinadas, são mantidos os demais grupos sociais vinculados à antiga base tecnológica do fordismo – keynesiano, entre os quais estão os setores de produção relacionados à manufatura, extrativismo, forças armadas, pequenas empresas e seu capital financeiro associado, assim como movimentos de pensamento nacionalistas, racistas e homofóbicos, que são expressos em grupos sociais de cristãos evangélicos, população branca no sul do país, populações rurais e pequenas cidades, além de classes trabalhadoras brancas.
A conformação desse bloco histórico leva à realização da hegemonia dos grupos dominantes sobre os subalternos a partir do consenso da substituição do Estado pelo Mercado enquanto agente mais eficiente de distribuição de recursos nas diferentes esferas do social, levando a uma preponderância das ações econômicas do Estado, em seu sentido ampliado, sobre o Estado em sentido restrito, constituindo o neoliberalismo como forma de desenvolvimento atlântico-hegemônico.
Por seu lado, a China embarca em uma modalidade de desenvolvimento diferente no Capitalismo do Conhecimento no início dos anos 80. Partindo de uma forte ação econômica do Estado, em um sentido restrito, consegue se inserir primeiro nos elos inferiores e médios da cadeia de valor agregado, na reprodução de bens pertencentes ao setor de eletrônicos, informática e telecomunicações e a subir progressivamente para os elos de alto valor cognitivo. A especificidade do caminho de desenvolvimento da China, no qual a coerção prevalece sobre o consenso na classe dominante do Estado no sentido restrito, permitiu que ela se tornasse uma superpotência global, contestando a liderança dos Estados Unidos no seu sistema internacional de hegemonia dos estados e em seu próprio processo de construção.
A crise financeiro-produtiva global de 2008 evidenciou o fracasso do mercado como representação social, aprofundando o questionamento de grupos subalternos sobre a viabilidade do neoliberalismo como forma predominante de desenvolvimento em escala global, causando fissuras no bloco histórico e uma crise de hegemonia em torno da preponderância do mercado e de seus agentes econômico-financeiros. Apesar desse questionamento, a resposta a essa crise de mercado continuou a partir de suas próprias fundações, através da injeção, pelos principais bancos centrais do mundo, de trilhões de dólares no mercado mundial, com base na estratégia ineficaz de flexibilização quantitativa para revitalizar a fraca economia global.
O surto de COVID-19 destacou as diferentes estratégias dos Estados para conter a disseminação do vírus em escalas nacionais, assim como sua capacidade institucional para diminuir o número de mortes entre suas populações devido ao novo coronavírus. Isso implica o contraste em uma escala global entre as vias de desenvolvimento predominantes. Por um lado, o declínio do neoliberalismo e sua fragmentação em modalidades de desenvolvimento lideradas pelos Estados Unidos evidenciam soluções moldadas por interesses que privilegiam a continuidade no funcionamento do mercado e a rápida e repentina disseminação da SARS-CoV-2 entre suas populações. Por outro lado, os caminhos de desenvolvimento liderados pelo Estado, que encontram sua experiência mais completa na China, mostram que uma disseminação lenta do vírus tende a ser privilegiada, reduzindo o número de perdas fatais entre sua população.
O aprofundamento da crise econômico-social no mundo pós-pandemia levanta vários cenários possíveis. A erosão e a fragmentação do neoliberalismo aumentarão, aprofundando a desintegração de escalas econômicas eminentemente neoliberais, como a União Européia? As classes dominantes verão nos arranjos sociais coercitivos um meio de manter e reproduzir seu domínio, orientando futuras formações estatais autoritárias? Enquanto isso, é provável que a China aumente o ritmo de moldar seu sistema internacional de hegemonia dos estados, na qual a estratégia da Rota da Seda e os planos de apoio pós-pandemia para diferentes países do Hemisfério Ocidental vão acelerar o processo de transição do epicentro da economia mundial, do Atlântico ao Pacífico.
¹Membro do Programa de Globalização, Conhecimento e Desenvolvimento, do Instituto de Pesquisa Econômica da UNAM; e membro do Programa Jovens Sinologistas da Academia de Ciências Sociais de Xangai 2019. Correio eletrônico: carlirius@gmail.com
²Doutorando em Economia e Professor da Faculdade de Economia da UNAM.