A linha do tempo das políticas de combate ao coronavírus

Boletim nº 24 – 11 de junho de 2020

 

Por Luiz Belmiro¹

 

A mensuração dos impactos das medidas de combate à pandemia do coronavírus, por meio de projeções e gráficos elaborados por pesquisadores das Ciências Naturais e Exatas, tem traçado prognósticos para as próximas semanas e prescrito ações visando controlar o ritmo de transmissão, cumprindo um papel importante para o momento que vivemos. Pensando em trazer uma contribuição das Ciências Sociais nesse sentido, nós do Grupo de Pesquisa Sociologia e Políticas Sociais (GPSPS/UFPR) propomos uma metodologia de avaliação das políticas públicas em implantação, localizando temporalmente tanto sua elaboração quanto seus efeitos. Trata-se da elaboração de uma linha do tempo, marcada pelas principais etapas do processo das políticas em questão: a colocação da demanda; o contexto que envolveu sua elaboração; sua publicação; os efeitos imediatos pós publicação. Reconhecemos que para políticas de médio e longo prazo esta metodologia pode se revelar exaustiva e infrutífera, mas em cenários emergenciais como o que vivemos, em que a resposta do poder público deve ser rápida e eficaz, pode ser uma ferramenta de avaliação bem adequada.

Diante da falta de uma vacina ou tratamento eficaz para a covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda como medida mais efetiva contra a transmissão acelerada o isolamento social. Mas a pandemia chega ao Brasil em meio a uma das piores crises de sua história (política e econômica) e o governo federal entra em rota de colisão com a comunidade médica internacional, minimizando os efeitos da doença e se recusando a tomar medidas em favor do isolamento. Neste cenário, governadores e prefeitos têm ocupado espaço e tomado a iniciativa no enfrentamento da pandemia, mas isso, em nível local, é problemático, dada a  suscetibilidade à pressão dos setores empresariais contrários ao isolamento, principalmente o comércio.

No trabalho que estamos desenvolvendo, tomamos uma cidade paranaense como estudo de caso, polo da regional do estado (formada por 28 municípios) que registra a maior incidência de casos desde o começo da pandemia, Paranavaí, no Noroeste a 493 km da capital Curitiba[1]. A população da cidade, segundo o IBGE (2019), é estimada em 88.374 habitantes, se caracterizando economicamente por uma diversidade de atividades agropecuárias (principalmente a produção de mandioca e a criação de rebanhos animais). O único hospital de referência para tratamento dos casos de covid-19 na região é a Santa Casa de Paranavaí, que, além dos 10 leitos na UTI geral/adulta e de 10 leitos na UTI neonatal e pediátrica, conta com 10 leitos de UTI exclusivos para a doença, e mais 20 leitos de enfermaria (Portal da Cidade Paranavaí. 2020).

Os marcos temporais que orientaram a elaboração de nossa linha do tempo foram os seguintes: os decretos municipais que dizem respeito ao coronavírus; o número de casos e óbitos relatados nos boletins da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná e do município; o intervalo de 14 dias definido pela OMS como período máximo de incubação do vírus[2]. A Prefeitura Municipal publicou, em 18 de março, o decreto n° 21.071, que definiu a atuação dos serviços públicos durante o período de combate ao coronavírus, além do início do isolamento na cidade para o dia 20 do mesmo mês. Na ocasião, havia apenas um caso suspeito na cidade e o primeiro registro foi confirmado dois dias depois. O paciente era um homem de 70 anos, que tinha chegado recentemente de viagem ao Nordeste e feito escala em São Paulo.

Uma semana depois, em 27 de março, foi proposta a reabertura do comércio por parte do Comitê de Operação de Emergência (COE) de Paranavaí, quando ainda havia apenas um caso na cidade. O COE é composto por entidades da sociedade civil organizada, representantes dos Poderes Executivo, Legislativo, Ministério Público, OAB, sociedade médica e profissionais da Saúde. Estes representantes se reúnem a cada 48 horas, a fim de deliberar sobre a situação de pandemia, cabendo à Secretaria de Saúde sua convocação e fornecer a estrutura para seu funcionamento. Dois dias depois, em 29 de março, após ter acenado positivamente à reabertura, a Prefeitura voltou atrás e se colocou contra a recomendação, quando contavam dois casos confirmados, 18 descartados e 10 sob suspeita, aparecendo casos suspeitos em 13 cidades da regional, com uma confirmação em Terra Rica.

Mas a decisão não se manteve por muito tempo, e a reabertura ocorreu em 08 de abril, dois dias antes do fim de semana da Páscoa, quando haviam três casos confirmados, 43 descartados e 2 sob suspeita. A Prefeitura disponibilizou, em site de internet, diversos materiais informativos com orientações para as pessoas e cartilhas de funcionamento para os estabelecimentos comerciais publicadas, por segmento: agências bancárias; casas lotéricas; clínicas médicas; comércio em geral; crediário; cuidados no domicílio; lojas de bijuterias e acessórios; lojas de cosméticos e maquiagens; lojas de roupas e calçados; salões de beleza, clínicas de estética, barbearias, manicures e pedicures; delivery de alimentos; supermercados; restaurantes e lanchonetes.

Quando tomamos 08 de abril como marco e avançamos os 14 dias necessários para avaliação dos efeitos do decreto, vemos que em 22 de abril o aumento dos casos se mantinha sob relativo controle, registrando 12 casos desde o dia 18. No entanto, movendo o marco para o primeiro final de semana do comércio aberto, coincidindo com o feriado de Páscoa, 11 de abril, vemos uma alteração significativa. Exatamente 14 dias depois, em 25 de abril, aparecem dois novos casos, subindo para 14 os confirmados, e desde então, todos os dias, temos confirmações positivas para o coronavírus num ritmo cada vez mais acelerado. Encerrando nossa linha do tempo, por ora vemos que no dia 15 de maio chegamos a 110 casos confirmados e 5 óbitos em Paranavaí, totalizando 256 casos e 12 óbitos na regional em 22 cidades.

Elaboração: Grupo de Pesquisa Sociologia e Políticas Sociais

Embora não tenhamos considerado a subnotificação dos casos, tendência no país inteiro, incluindo o Paraná, já conseguimos apontar importantes conclusões. Acabamos de demonstrar que o período de 14 dias de intervalo entre a decisão política e a alteração no número de casos é o necessáriopara avaliar os resultados das medidas, então concluímos que o poder público também deveria adotar este recorte para avaliar quais seriam seus próximos passos.

Isso nos permite afirmar que a Prefeitura de Paranavaí acertou em se negar a reabrir o comércio com apenas sete dias de vigência do decreto que definia o isolamento social. Mas, infelizmente, não demonstrou a mesma assertividade para resistir ao primeiro feriado, e permitiu o funcionamento do comércio a tempo de que fosse aproveitada a Páscoa, contribuindo de forma decisiva para a intensificação do quadro na região. E, para piorar, tem se mostrado resoluta no caminho adotado até aqui, tanto que nunca mais cogitou um novo fechamento do comércio na cidade, pelo contrário, já se discutem medidas para abrir shoppings de forma “segura”.

Quanto à linha do tempo como metodologia de avaliação de políticas públicas, esperamos em breve retomar essa discussão, após sua aplicação em outras cidades do Paraná e de outros estados para verificar sua aplicabilidade. Esperamos, assim, contribuir com o esforço de pesquisadores do país inteiro na luta contra a pandemia do coronavírus.

¹Doutor em Sociologia pela UFPR, professor de Sociologia do IFPR. Membro do Grupo de Pesquisa em Sociologia e Políticas Sociais do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná, e do núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles.

Notas:

1. Estudo disponível online na plataforma PR contra COVID:  https://sites.google.com/view/prcontracovid/produ%C3%A7%C3%A3o-t%C3%A9cnica/3-paranava%C3%AD-linha-do-tempo

2. Que compreende da infecção até o surgimento dos primeiros sintomas.

 

 

Referências:

IBGE. 2019: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pr/paranavai

Portal da Cidade Paranavaí. 2020:

https://paranavai.portaldacidade.com/noticias/cidade/75-dos-municipios-paranaenses-nao-tem-uti-diz-pesquisa-1752