Conceito, dimensões e medidas de capacidade burocrática

Boletim nº 4 – 22 de outubro de 2019

 

Por que alguns estados enfrentam maiores ou menores dificuldades de atingir objetivos variados? Durante a aula inaugural da Especialização em Gestão Pública do IPPUR, a profª Celina Souza¹ destacou que o Brasil, de dimensões continentais, tem uma boa capacidade de penetração territorial.  O resumo da aula trata de conceitos relacionados a temas como federalismo, governo local, políticas públicas, estados e capacidade burocrática.

 

Por Deborah Werner, Rosângela Luft, Paulo Reis e Fábio Oliveira²

 

O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, em ocasião da aula inaugural da Especialização em Gestão Pública Turma 2019-2020, recebeu no dia 17.09.2019, a Professora Celina Souza, com o tema “Conceito, dimensões e medidas de capacidade burocrática”.

Ressaltando a importância de delimitar conceitualmente os temas de pesquisa, Celina apresentou o conceito de Capacidade Estatal, noção que orientou sua pesquisa empírica sobre a Burocracia Federal Brasileira. Por Capacidade Estatal entende-se o conjunto de instrumentos e instituições de que dispõem os Estados para estabelecer seus objetivos e transformá-los em políticas públicas.

Por sua vez, os objetivos dos Estados devem ser compreendidos no âmbito de sua autonomia relativa, o que permite agir com um certo nível de independência de grupos sociais específicos. Tal entendimento requer abdicar de noções que compreendam o Estado enquanto capturado por classes dominantes, ou ainda que se trate de um espaço que aglutina grupos de interesses em disputa.

“O Estado deve ser capaz de penetrar seu território, alcançar diferentes grupos sociais e contar com instrumentos, instituições e organizações para a provisão de bens e serviços”, argumentou a Professora.

A partir desses aspectos, foram colocadas as seguintes questões: por que alguns estados enfrentam maiores ou menores dificuldades de atingir objetivos variados? Qual a capacidade de ação do Estado? Qual a capacidade do Estado penetrar o território, alcançar diferentes grupos sociais e implementar as políticas públicas?

A partir do exemplo do Bolsa Família, a Professora Celina destacou que o Brasil, de dimensões continentais, tem uma boa capacidade de penetração territorial. A tentativa de reproduzir o mesmo programa de transferência de renda em um país africano enfrentou diversas restrições de ordem institucional, política e cultural, o que revela a importância desses aspectos para a implementação de políticas públicas.

Em termos empíricos, as capacidades estatais são analisadas comparativamente e buscam investigar a capacidade extrativa dos Estados (cobrar tributos); a capacidade coercitiva (manter a lei e a ordem); a capacidade administrativa (formular e implementar políticas públicas através de uma burocracia profissionalizada); a capacidade de guiar o desenvolvimento socioeconômico; a capacidade de dominação pelo uso de símbolos e pela criação de consensos (capacidade de legitimação); a capacidade de promover a segurança internacional; a capacidade de consolidar a democracia; e a capacidade burocrática (profissionalização da burocracia estatal).

“A pura vontade dos agentes políticos realizarem determinadas ações não é suficiente para que os objetivos sejam alcançados”, enfatizou Celina. Para tanto, os atributos do Estado precisam ser complementados por mecanismos que viabilizem sua ação, isto é, mecanismos capazes de induzir a implementação de políticas públicas.

Tipos de Capacidade na Formulação de Políticas: informacional, desenho das políticas e suas regras; maioria legislativa; conciliação da política pública com os interesses privados; políticas prévias; informações sobre políticas semelhantes (policy learning); e burocrática.

Tipos de Capacidade na Implementação de Políticas: financeiras; infraestruturais; alcance territorial; e burocrática.

No que se refere especificamente à capacidade burocrática, trata-se da capacidade dos Estados, em seus diferentes níveis de governo, de participarem da formulação e implementarem políticas públicas (nível geral do conceito). A sua desagregação revela que capacidade burocrática pode ser conceituada quando diferentes combinações das seguintes condições estão presentes (nível secundário do conceito): i) recrutamento baseado em mérito; ii) carreiras de longo prazo e com previsibilidade; iii) regras para contratar e demitir que substituam contratações e demissões arbitrárias; iv) preenchimento de cargos seniores através de promoção interna de servidores concursados; v) profissionais com formação de especialista ou generalista; vi) profissionais livres de influências externas; e vii) burocracia regida por regras administrativas e legais (accountability). Os indicadores irão conectar, através dos dados, o nível geral do conceito ao nível secundário.

 

Capacidades Burocráticas em quatro políticas de desenvolvimento implementadas pelo Governo Federal: Infraestrutura, Industrial, Inovação e Meio Ambiente, 2013-2014

De acordo com Celina Souza, a pesquisa permitiu verificar que o Brasil, no âmbito do governo federal, consolidou, em 20 anos, uma burocracia profissional, weberiana e com alta capacidade de formulação e implementação de políticas públicas. Os seguintes resultados foram enfatizados:

  1. A alta capacidade é explicada pela exigência de concursos competitivos, pela dimensão de promoção interna e de qualificação (nível superior de escolaridade, existência de especialistas e generalistas);
  2. Registra-se alta qualidade burocrática, porém, ao se desagregar a burocracia por políticas e por agências, ela não se verifica, em todas as áreas, com a mesma intensidade;
  3. A capacidade burocrática não é distribuída uniformemente entre agências governamentais, o que expressa a existência ou não de carreiras estáveis, a terceirização, a vigência de plano de carreira para o servidor, a realização de concursos regulares e diferenças salariais entre as carreiras.

Diante da elevada heterogeneidade territorial do Brasil, para que as políticas públicas sejam bem sucedidas em enfrentar as desigualdades, é necessário compreender as capacidades estatais dos níveis federal, estaduais e municipais em diferentes instâncias, o que requer o aprofundamento das pesquisas na temática.

 

——————————————–

¹A Professora Celina Souza possui graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1971), mestrado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (1980) e doutorado em Ciência Política – London School of Economics and Political Science (1995). Atualmente, é Pesquisadora Associada do CRH da Universidade Federal da Bahia e Professora Visitante da Unirio. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Estado e Governo, atuando principalmente nos seguintes temas: federalismo, descentralização, governo local, políticas públicas, estados e capacidade burocrática.

²Professores do IPPUR/UFRJ.

 

Publicações sobre o tema:

Souza, Celina. (2017). Modernização do Estado e construção de capacidade burocrática para a implementação de políticas federalizadas. Revista de Administração Pública51(1), 27-45. https://dx.doi.org/10.1590/0034-7612150933

Souza, Celina. (2015). Capacidade Burocrática no Brasil e na Argentina: Quando a Política Faz a Diferença. TD2035. Rio de Janeiro, IPEA. Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=24489