
Posts Recentes
>> Edital UFRJ nº 1025/2025 – Concurso Professor Substituto – GPDES/UFRJ
Publicado em 02/12/2025
>> Defesa de Dissertação de Mestrado – Maria Tereza Aguiar Parreira – 28/11/2025
Publicado em 27/11/2025
>> Defesa de Dissertação de Mestrado – Tainá Farias da Silva Maciel – 25/11/2025
Publicado em 27/11/2025
>> Edital UFRJ 1025/2025 – Concurso de Professor Substituto GPDES/IPPUR
Publicado em 26/11/2025
Curso de extensão “Formação Popular e Intercâmbio de Experiências em Lutas Sociais” mobiliza vozes e lideranças femininas
Publicado em 09/07/2025
CATEGORIAS: Boletim IPPUR
Boletim nº 88, 09 de julho de 2025
Camila Silveira e Carmen Rosane Costa
Doutorandas em Planejamento Urbano e Regional – PPGPUR/UFRJ
De iniciativa e promovido pelo ETTERN (Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), em parceria com a Universidade Federal do Ceará (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Urbanismo e Design) e a Universidade Federal do Paraná (Centro de Estudos em Planejamento e Políticas Urbanas), o curso “Formação Popular e Intercâmbio de Experiências em Lutas Sociais” buscou estreitar a ponte entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento e as vivências das lideranças populares.¹
Foram quatro aulas online, com tradução simultânea para inglês, com vista a ser um espaço de diálogo e troca de saberes. A proposta se insere em um contexto de discussões mais amplas, a partir das lideranças femininas, e que expõem realidades, na maioria das vezes, encobertas, distorcidas e/ou invisibilizadas.
O curso integrou atividades dos projetos: “Planejamento e Assessoria em Conflitos Urbanos e Territoriais no Brasil”, coordenado pelo professor Fabrício Leal de Oliveira (ETTERN/IPPUR) com apoio do CNPq, e o “Urbanismo Humanitário” (Humane Urbanism Project)², coordenado pelos professores Faranak Miraftab e Ken Salo (Universidade de Illinois), uma iniciativa internacional que envolve também a Universidade de Western Cape, na Cidade do Cabo.
O curso de extensão parte do princípio de que a Universidade não é o único lugar de produção de conhecimento. Organizações populares, coletivos, associações de moradores e movimentos sociais também geram conhecimento, planejam e agem para transformar a realidade social. Uma característica central desta primeira edição foi o protagonismo feminino, convidando mulheres militantes e lideranças populares para compartilhar suas perspectivas, experiências e conhecimentos nas lutas em que estão inseridas.
A abordagem destas Mulheres foi, e é, fundamental para valorizar e dar visibilidade à sabedoria prática e à capacidade de mobilização. Além disso, o curso promoveu o intercâmbio de experiências não apenas entre universidades, mas entre movimentos e lideranças populares, incluindo uma perspectiva internacional com parceiros nos Estados Unidos e na África do Sul.
O curso abarcou um público diverso, 59% das 163 pessoas inscritas se identificaram como negras, pardas ou indígenas. A maior parte das pessoas se identificou como tendo inserção acadêmica, sendo 51% estudantes e 32% professoras ou pesquisadoras, mas a presença de movimentos sociais e integrantes de ONGs foi significativa: 25% e 22% respectivamente (no formulário era possível identificar mais de um vínculo). Desse modo, entendemos que o curso representou um esforço não apenas em trazer novas pautas, mas permitiu ampliar o acesso à universidade pública no Brasil.
Em um cenário de crescentes desafios urbanos e rurais, marcado pela violência, pela precarização da vida e pelo avanço de lógicas predatórias como o agronegócio e a mineração, a iniciativa do curso visou a contribuir para o fortalecimento de redes de solidariedade, promover o debate crítico e construir alternativas coletivas para um futuro mais justo e humano.

Vozes Femininas nas Lutas Sociais
O curso se desdobrou em quatro aulas, nas quais cada uma das Mulheres trazia a potência e a profundidade das vozes militantes.
Na aula 1: Mulheres nas Lutas pelo Direito à Cidade e a perspectiva de ação no Estado³ (29/04), Adriana Gerônimo, vereadora em Fortaleza, e Camila Moradia, liderança popular no Rio de Janeiro, abordaram o papel da liderança popular na formulação de políticas públicas.
A discussão central girou em torno do direito à cidade e à moradia. Camila Moradia enfatizou a necessidade de um olhar atento às necessidades básicas para engajar a população. Em uma de suas falas, trouxe a experiência de uma moradora do Complexo do Alemão: “Ela acreditava porque voltava com uma cesta básica, que era o que matava a fome do filho dela (…). Então, naquele momento, ela recebia o acolhimento que, na mente dela, ela precisava.”, ressaltando como a assistência imediata pode construir confiança e engajamento em comunidades em situação de vulnerabilidade.
Nas duas falas percebemos como as trajetórias pessoais de luta, de Mulheres Negras em favelas, tiveram relação direta com a construção da militância política, das pautas que mobilizam.Perguntadas sobre o que lhes motivava e dava esperança ao final da aula, Adriana e Camila trouxeram a esperança como elemento que se constrói a partir da luta de mulheres que vieram antes, e partilharam que a motivação delas está na projeção de um mundo melhor para a geração filha.
Na aula 2: Mulheres contra a violência de Estado: Movimento de Mães (Rio de Janeiro) e Frente Palestina (São Paulo)4 (08/05), Ana Paula Oliveira, do Movimento de Mães de Manguinhos, e Soraya Misleh, da Frente Palestina, compartilharam suas experiências de luta, especialmente as relacionadas à violência do Estado e à busca por justiça.
Ana Paula compartilhou a dor e a resiliência de sua luta: “Eu encontrei na luta e na militância uma forma de continuar exercendo a minha maternidade para com o Jonathan, uma forma de eu continuar sendo a mãe do Jonathan.”. A fala foi concluída com um chamado à ação coletiva: “o que a gente quer, o que a gente pretende não virá das mãos de governantes, não virá das mãos de quem tem o poder (…), mas virá das mãos da nossa luta, do que nós temos construído, porque só nós sabemos do que a gente precisa”.
Soraya, da Frente Palestina, ao partilhar sobre a luta travada, evidenciou o protagonismo e a resistência das mulheres palestinas, muitas delas mães, indicando assim que esta luta de mães nos conecta. Ao pensar sobre esperança, citou trecho da poesia de Mahmoud Darwish: “Nós, palestinos, sofremos de um mal incurável que se chama esperança. Esperança de libertação e de independência. Esperança de uma vida normal, na qual não seremos nem heróis, nem vítimas. Esperança de ver nossas crianças irem à escola sem riscos. Para uma mulher grávida, esperança de dar à luz um bebê vivo, num hospital, e não uma criança morta diante de um posto de controle militar. Esperança de que nossos poetas verão a beleza da cor vermelha nas rosas, não no sangue. Esperança de que esta terra encontrará seu nome original, terra de amor e paz.”
Na Aula 3: Movimentos Nacionais na luta pela Terra em conflito com Grandes Corporações5,Olívia Santiago, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e Ayala Ferreira, do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), discutiram as complexas dinâmicas da luta pela terra frente aos grandes empreendimentos corporativos.
Olivia ressaltou a importância de uma luta que vai além da posse da terra: “a nossa luta é por terra, mas também é uma luta por terra habitável e saudável, que promove saúde, não doença. A gente está fazendo uma luta aqui por uma terra que é sem contaminação. Uma terra que é possível plantar, que é possível pescar, criar animais, ter lazer, tirar fonte de renda, viver com saúde, exercer os modos de vida das comunidades, seja ela urbana, rural, quilombola, indígena.” A discussão se aprofunda sobre os obstáculos e desafios enfrentados por esses movimentos.
Ayala relatou sua trajetória pessoal, explicando como ingressou no MST em 1999, aos 19 anos, impulsionada pelas inquietações e violências observadas em sua região. Pelo MST, ela se tornou militante, assentada da reforma agrária em Marabá, e teve acesso à universidade e a uma formação técnica e política que a capacitou para atuar como educadora, coordenando a frente de defesa do povo por meio da advocacia popular e da efetivação de direitos. Ela aprofundou sua análise numa perspectiva histórica ao afirmar que o Brasil carrega uma “herança maldita” colonial. Lamentou as oportunidades perdidas de reforma agrária, inclusive como forma de reparação histórica, e criticou o agronegócio como um modelo – fruto da concentração de terras e da hegemonia capitalista – que exaure a natureza e contribui para a fome e o aumento dos preços dos alimentos. Em sua perspectiva, a tarefa do MST no campo e na cidade é multiplicar saberes.
A criação de redes de confiança, entre militantes e atingidos, e a capacidade de organizar a esperança de forma coletiva foram as motivações indicadas por Olivia e Ayala. “Nossa esperança precisa ser coletiva”, disse Ayala.
Por fim, na Aula 4: Agroecologia, Soberania Alimentar e Solidariedade nas Lutas6, Silvia Baptista e Adriana Oliveira compartilharam suas vivências e conhecimentos sobre agroecologia e soberania alimentar, destacando a importância da solidariedade nas lutas.
Adriana Oliveira esclareceu a distinção entre alimento orgânico e agroecológico, enfatizando a dimensão coletiva e ética da agroecologia: “O alimento orgânico, que às vezes a gente compra no mercado municipal ou compra em outro espaço, (…) é um alimento limpo de veneno, mas é um alimento que as pessoas perceberam que o valor agregado, o lucro que ele pode ter com o alimento, ele acessaria outra camada de poder aquisitivo. Então, eles plantam alimentos orgânicos para isso, para comercialização. Então, isso é um alimento orgânico, isso não é um alimento agroecológico que respeita todos os coletivos que ali estão inseridos.” Ela também destacou a importância dos coletivos na construção de futuros e na nutrição da autoestima: “pensar em futuro, pensar em sonhos é também pensar no coletivo possível de nos nutrir coletivamente.”
Silvia Baptista trouxe a questão da estrutura fundiária do Brasil, de como ela é profundamente racializada. “Uma das coisas que nos une é essa questão racial posta pelo capitalismo. Assim como, na cidade, o povo negro, o trabalhador se encontra em pequenos espaços urbanos, muitas vezes favelas ou comunidades urbanas, também o homem do campo, as pessoas (…) na sua capacidade de sobreviver nesse espaço, a maioria são pessoas negras. Então, uma das questões que entendo que une a classe trabalhadora é essa profunda ferida colonial que nos achata diante de acesso à terra e, consequentemente, de acesso ao alimento”.
Ao falar sobre esperança no futuro, Silvia a evocou como ação presente, o ato de esperançar. Reconheceu, assim como outras das convidadas ao longo do curso, que é fundamental e necessário sonhar coletivamente para construção deste futuro.
A Importância do Curso na atualidade
O curso de extensão: “Formação Popular e Intercâmbio de Experiências em Lutas Sociais” buscou transcender a mera transmissão de conteúdo, ao se configurar como um espaço de diálogos, resistência e proposição em um cenário de complexas crises sociais e ambientais. Ao trazer as vozes de mulheres protagonistas de movimentos sociais, o curso amplia e democratiza o acesso ao conhecimento, para além do que é produzido na universidade, e fortalece a luta por direitos, por justiça social e por modos de vida mais equitativos e sustentáveis.
Entendemos que a promoção do intercâmbio de experiências entre diferentes lutas e realidades, tanto no Brasil quanto internacionalmente, é crucial para a construção de uma solidariedade global e para o enfrentamento de desafios que, embora se manifestem localmente, possuem raízes sistêmicas.
O curso reafirma a potência do conhecimento popular e a capacidade de organização das comunidades para transformar suas realidades, catalisando a imaginação coletiva para a construção de “futuros alternativos”. Em suma, este curso não é apenas sobre formação, mas sobre inspiração, empoderamento e a edificação de um caminho coletivo para uma sociedade mais justa e humana.
1 O curso de extensão foi coordenado pela professora Giselle Tanaka pesquisadora do Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual (Neplac) e Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e contou com a mediação de Clarisse Freitas, professora do Programa de Educação Tutorial em Arquitetura e Urbanismo vinculado à Pós-graduação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (PPGAUD/UFC), Carmen Rosane Costa, doutoranda do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), Marcela Monteiro, pesquisadora e mestre pelo Programa de Educação Tutorial em Arquitetura e Urbanismo vinculado à Pós-graduação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (PPGAUD/UFC), e Camila Silveira, doutoranda do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).
2 Project Humane Urbanism (https://huproject.org/)
3 Adriana Gerônimo, Mulher negra, cria da periferia de Fortaleza, mãe, LGBT, assistente social, militante por moradia digna, ativista de Direitos Humanos e ecossocialista. Vereadora de Fortaleza pelo PSOL, presidenta da comissão de direitos humanos da câmara municipal de Fortaleza e titular da comissão especial do Plano Diretor de Fortaleza. Camila Moradia, Mulher Negra, mãe, cria do Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. Militante por moradia e em defesa dos direitos de mulheres e crianças. Constrói o Plano de Ação do Alemão e é liderança Coletivo de Mulheres do Alemão. Foi candidata a vereadora nas eleições de 2024. Aula 1: https://www.youtube.com/live/Y88lFzy1ClU?si=U8u6gGnatDUQpbrv
4 Soraya Misleh, é jornalista palestino-brasileira, coordenadora da Frente Palestina SP, mestre e doutora em Estudos Árabes pela USP, autora do livro “Al Nakba – um estudo sobre a catástrofe palestina” e Ana Paula Oliveira é mulher negra, cria da favela de Manguinhos, Mãe de Johnatha de Oliveira Lima (vítima letal da violência policial no RJ), formada em Pedagogia, Ativista, Defensora de Direitos Humanos, cofundadora e coordenadora do movimento Mães de Manguinhos, Integrante do Fórum Social de Manguinhos, Pesquisadora do Projeto Esferas da Cidadania, Puc-Rio/Faperj. Aula 2: https://www.youtube.com/live/0WbGWzZgTcw?si=fsvMNlVs8JT1ZC69 .
5 Ayala Ferreira é educadora popular, assentada da reforma agrária no projeto de assentamento 26 de março em Marabá no PA. Compõe a direção nacional e setor de direitos humanos do MST. Olívia Santiago é coordenação estadual do MAB/MG, atua com pessoas atingidas na bacia do Rio Doce, onde constrói o coletivo de saúde e é comunicadora popular. Arquiteta Urbanista e Especialista em Assistência Técnica para Habitação e Direito à Cidade. Atua com diagnósticos socioespaciais, organização social, educação popular, articulação política, construção e acesso à direitos das populações atingidas e promoção da saúde. Aula 3: https://www.youtube.com/watch?v=YzjnRVpHROk
6 Silvia Baptista, Mulher negra, quilombola, militante da Teia de Solidariedade da Zona Oeste do Rio, pedagoga, mestra em Saúde Coletiva pela Fiocruz e doutoranda em Planejamento Urbano (IPPUR/UFRJ). Atua no campo da Segurança e Soberania Alimentar (SSAN) e é filiada à Associação Brasileira de Agroecologia. Adriana Oliveira, Mulher negra, Sem Terra, mãe. Direção estadual do MST e coordenação do coletivo Marmitas da Terra, que partilha marmitas e alimentos nas ocupações de Curitiba. Graduada em História, com pós-graduação em Educação, Trabalho e Marxismo pela Fundação Oswaldo Cruz, além de especializações em Logística e Administração Estratégica pela Universidade Santa Cruz. Aula 4: https://www.youtube.com/watch?v=cIZutjC4gkU



