Governança interfederativa, esgotamento sanitário e medidas profiláticas contra a Covid-19

Boletim nº 22 – 28 de maio de 2020

 

Por Laiana Carla Ferreira¹

 

A função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Apesar de cada município possuir seu plano de saneamento, conforme lei n°11.445, de 2007, para o adequado atendimento do interesse comum, o saneamento básico, em contexto metropolitano, deveria obedecer a um plano de saneamento básico no âmbito da região metropolitana, que contemple o conjunto de municípios atendidos pela prestadora do serviço, o que não acontece atualmente.

A atual conjunção social ante a vigência da pandemia COVID-19 demanda, por sua vez, a adoção de uniformidade nas medidas que devem vir a ser tomadas, quando consideramos que em 2003 uma consulta técnica da Organização Mundial da Saúde – OMS concluiu  que o saneamento inadequado possibilitou a infecção de pessoas por vírus integrantes da família do Coronavírus.

Em 2012, outro vírus corona causou a epidemia de MERS, sendo detectada sua presença no ciclo urbano da água. Destarte, desde lá se fazia indispensável a universalização do saneamento básico com mais eficácia no tratamento de efluentes, além de preparo e planejamento para agir em caso de uma pandemia.

Como a estrutura do vírus que transmite a COVID-19 se assemelha a de outros coronavírus, as evidências cumulativas disponíveis podem nos orientar no sentido de que a  falta de saneamento básico pode abrir uma rota de propagação de vírus por gotículas fecais dispersas no ar, acelerando a contaminação por coronavírus.

Nessa toada, é imperioso que os Municípios avaliem seus Planos Municipais de Saneamento, observando se contemplam ações de emergência e contingência para mitigar a pandemia da COVID-19 (um agravo de saúde pública comum quanto às consequências e profilaxias). E, na ausência, elaborar imediatamente seus planos de ações emergenciais.

Recentemente, foi criado o documento denominado RECOMENDAÇÕES PARA PREVENÇÃO DO CONTÁGIO DA COVID-19 (NOVO CORONAVÍRUS – SARS-CoV-2) PELA ÁGUA E POR ESGOTO DOMÉSTICO,  elaborado por integrantes da Sala Técnica de Saneamento,  composta por 250 profissionais da área de saneamento, que atuam, principalmente, como pesquisadores, gestores e/ou técnicos de instituições de ensino superior, instituições governamentais e empresas de tratamento de água e esgoto doméstico do Brasil.

Tal cartilha aduz informações importantes a respeito do coronavírus e da doença COVID-19, no que tange à água de abastecimento público e aos esgotos domésticos, bem como os mecanismos de tornar inoperantes tais organismos patogênicos. A intenção é esclarecer à população e aos tomadores de decisão, no sentido de proteger as pessoas e prevenir a disseminação da doença.

Recomenda-se a criação de uma Comissão dentro do órgão interfederativo em situação de pandemia a ser coordenada pelo ERJ e operadores do sistema de saneamento, tendo em vista que são os delegatários da estruturação de serviços de saneamento básico na RMRJ,  em conjunto com entidades de regulação, meio ambiente, saúde, defesa civil, com intuito de se vincularem em ações locais efetivas e padronizadas e de maneira holística.

De acordo com as instruções da cartilha, destacamos como imperioso identificar as áreas de alto risco para transmissão do coronavírus, em contraposição com áreas que possuam saneamento básico precário. Rastreando e mapeando os casos confirmados de COVID-19 para avaliar a qualidade da água e verificar a situação dos esgotos sanitários. Nesse ponto, sugere-se que haja cruzamento de dados de incidência de casos no Municípios integrantes da RMRJ, com indicadores de áreas deficitárias na prestação de serviço de esgotamento sanitário da Região.  Deste modo, seriam sobrepostas informações da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro com as informações sobre a cobertura da pesquisa anual do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento- SNIS, para o estado do Rio de Janeiro.

A Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro implantou recentemente o “Painel Coronavírus Covid-19”,  que realiza o monitoramento on-line dos casos no estado e tem como objetivo ampliar o acesso da população às informações.Para além disso o diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos apresenta um texto analítico da base de dados atualizada do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento). As tabelas de informações e indicadores fornecidos supracitados apresentam dados que sobrepostos, podem esquadrinhar um diagnóstico dos Municípios da região metropolitana observando a ocorrência de casos de COVID-19 em cotejo com déficit de saneamento básico. Definindo assim áreas prioritárias de atuação.

Quando da detecção das áreas provenientes do cruzamento de dados, adotar procedimentos a serem realizados em áreas sem tratamento (desinfecção) de água e ou de esgoto; incluindo o hipoclorito de sódio para as populações em áreas de saneamento precário; orientação aos pacientes em isolamento nos domicílios sobre como tratar seus esgotos e realizar a desinfecção das instalações sanitárias;  nortear os hospitais que não estão ligados na rede coletora sobre como tratar seus esgotos; e ainda identificar os locais (cursos de água etc.) com risco de contaminação com placas padronizadas.

Tais informações poderiam, inclusive, subsidiar o estabelecimento de prioridades entre as localidades por onde se devem iniciar testagens, embasando ações regionalizadas de contenção da transmissão e permitindo antecipar a mobilização da atenção primária em saúde em determinada localidade onde a circulação viral seja detectada previamente pelo monitoramento dos esgotos.

Cumpre abordar outra providência importante para que durante a pandemia sejam revistas as tarifas de água/esgoto em áreas de maior vulnerabilidade, de forma a não faltar água às pessoas. Tal postura concerne a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa), que é responsável pela regulação e fiscalização das concessões dos serviços públicos de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto operados pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae).

Ensejando dentre suas competências, expedir recomendação à Companhia do Estado do Rio de Janeiro. Deste modo deve orientar a CEDAE no que tange à tarifação de água e esgoto da região metropolitana. Assegurando inclusive a Elaboração e avaliação dos planos de emergência/contingência para a garantia de funcionamento dos serviços mínimos de fornecimento de água.

Levando em conta os estudos indicativos da possibilidade de que a ausência de saneamento básico pode ser um caminho de propagação de vírus por gotículas fecais dispersas no ar, acelerando a contaminação por coronavírus, devem ser adotar as medidas supracitadas como meios de retardar/ impedir a disseminação da COVID-19 e cumprir o compromisso e exercício das atribuições metropolitanas de cada um dos atores partícipes do processo. Especialmente quanto à elaboração e avaliação de planos de contingência/ emergência e medidas profiláticas na concessão do serviço público de saneamento básico.

Entende-se que é de suma importância que sejam consideradas providências uniformes sobrepondo o interesse comum ao individual, traduzindo a governança interfederativa em seu aspecto de funções fundamentais. Estas devem ser desempenhadas para que se governe de forma mais efetiva possível, sugerindo medidas práticas de governanças atinentes ao esgotamento sanitário como forma de obstar/minimizar a disseminação de organismos patogênicos transmissores da COVID-19.

¹Aluna do Curso de Especialização em Política e Planejamento Urbano- IPPUR/UFRJ.

Referências:

AGENERSA. Disponível em:

http://www.agenersa.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5&Itemid=27

Emerging investigators series: the source and fate of pandemic viruses in the urban water cycle”, Royal Society of Chemistry, Environ. Sci. Water Res. Technol., 2015,1, 735-746. Disponível em: <https://doi.org/10.1039/C5EW00125K>

FIOCRUZ. Emergência do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e o papel de uma vigilância nacional em saúde oportuna e efetiva.  2020. Disponível em:

https://bit.ly/3c3rM8d>

Lei nº 11.445, de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm

O GLOBO. Painel traz informações on-line sobre casos de coronavírus no estado do RJ. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/04/01/painel-traz-informacoes-on-line-sobre-casos-de-coronavirus-no-estado-do-rj.ghtml>

Painel de Saneamento Brasil. Disponível em: <https://www.painelsaneamento.org.br/localidade?id=330170>

Recomendações para prevenção do contágio da Covid-19 (Novo CORONAVÍRUS – SARS-CoV-2) pela água e por esgoto doméstico.  Disponível em:

<http://www.mpf.mp.br/regiao3/sala-de-imprensa/docs/2020-2/cartilha_sala_de_saneamento_covid-19_final>

World Health Organization. Inadequate plumbing systems likely contributed to SARS transmission”. Disponível em:

<https://bit.ly/39UnUoC>