Igualdade de gênero na universidade: a reivindicação de uma sala de amamentação na Faculdade de Letras/UFRJ

Boletim nº 73, 30 de setembro de 2023

Contribuíram com a matéria: Artur Rocha, Lidiane Duarte, Felipe Souza, Matheus Bomfim Lopes, Stefane Silva Carvalho e Wendel Andre Soares da Silva.

A maternidade é um desafio vivido por diversas mulheres no Brasil e no mundo. Há, no entanto, disparidades sociais que dificultam a vida das mães que buscam permanecer ativas no mercado de trabalho, na vida acadêmica e entre outros espaços na sociedade. Observando esses aspectos, podemos notar inúmeras iniciativas que visam a facilitar ou a melhorar a qualidade de vida e o acesso das mães a bens e serviços nos contextos de trabalho e da academia. Entre as iniciativas, destaca-se o projeto de extensão “Mães na Universidade: acesso, permanência e progressão”, que atua na Universidade Federal do Rio de Janeiro a fim de proporcionar amparo às mães que estudam na universidade, bem como aquelas que também não são discentes da instituição.

Uma das demandas das mães que frequentam a universidade é por espaços adequados às tarefas de cuidado, entre elas a amamentação. Lidiane Duarte, estudante do curso de GPDES, relata sua experiência como mãe e graduanda, em especial as dificuldades que encontrou pela carência de um espaço estruturado pensado para mães na universidade:

“Ingressei na UFRJ em 2023.1, quando a minha filha estava com 3 meses. Em alguns dias não havia ninguém para ficar com ela, inclusive um dia em que eu tinha uma apresentação de trabalho em sala de aula, em que eu não tive a opção a não ser levá-la comigo. Nos momentos em que precisei de amamentá-la, por não contar com uma sala de amamentação e nenhum outro espaço parecido, eu amamentei na sala de aula, colocando uma fralda de pano em cima do meio seio. Foi uma situação muito desconfortável, pois a cabeça da minha filha quase batia na mesa da carteira, então eu tinha que ficar torta a fim de acomodá-la da melhor forma. Ao precisar trocar a fralda, também “cortei um dobrado”, pois a porta do fraldário não tem fechadura e é amarrada com um barbante. Agora, imaginem eu segurando um bebê, a bolsa com a fralda e o lenço, tendo que desamarrar a porta e empurrar, pois está com a dobradiça ruim. Parece impossível, mas uma mãe que tem a necessidade de estar ali para buscar um futuro melhor não mede esforços. E na hora da saída tive que fazer um laço novamente no barbante para fechar a porta. Me senti frustrada e descontente, por estar numa Universidade tão prestigiada na qualidade de ensino, mas com uma péssima infraestrutura de forma geral, e nada inclusiva com as alunas que são mães e que em alguns casos precisam levar os filhos para a Universidade. Entendo que estamos vindo de um desgoverno que cortou verbas da Educação, mas essas demandas precisam estar no Orçamento para o próximo ano. A adaptação de uma sala para amamentação pela Universidade incentiva o estudo e diminui a evasão.”

Atento a essa demanda de mães de recém-nascidos no curso, o Centro Acadêmico de Gestão Pública (CAGESP) tomou a iniciativa de solicitar um espaço de amamentação no prédio da Faculdade de Letras da UFRJ e indicou a possibilidade de uso de uma sala vazia localizada ao lado da sala do CAGESP. Conforme relatado por Rute Moraes, integrante do CAGESP, a sala de amamentação não apenas representa um aparato necessário para a permanência dessas mães na universidade, como também poderia se constituir como um espaço político de encontros e de troca de ideias. Como estratégia de articulação, o CAGESP buscou o apoio da vereadora Thais Ferreira na solicitação da sala e recolheu assinaturas de estudantes que apoiam a causa. O abaixo-assinado foi enviado à administração da Faculdade de Letras, acompanhado da explicação dos motivos sobre a importância da sala de convívio e de amamentação no prédio.

A coordenação do GPDES respaldou a demanda apresentada pelos/as estudantes, conforme manifestação da professora e coordenadora do curso, Giselle Tanaka, em relato colhido para compor essa matéria:

“Eu acho importante que tenhamos uma sala de amamentação no prédio de letras que atualmente é prédio que a gente compartilha para a realização do GPDES. Ela não é só importante para as estudantes, mas também para professoras e servidoras. No entanto, as regulamentações sobre o exercício da maternidade no contexto universitário estão atrasadas (datam das décadas de 60 e 70) e não garantem uma licença adequada. As mulheres em período de amamentação muitas vezes precisam trazer seus filhos para a faculdade, para terem condições de assistir às aulas, às vezes contando com apoio, e não raro precisam sair da sala para amamentar. A garantia de uma infra-estrutura é fundamental para oferecer um espaço reservado, mesmo que a gente defenda que a amamentação deve ser livre e aceita em qualquer ambiente. Muitas vezes a mulher precisa de um espaço mais reservado até para mudar a roupa, fazer uma ordenha de leite quando a criança fica em casa, ou mesmo para contar com algum conforto. A Faculdade de Letras é uma das poucas unidades do fundão que tem fraldário, mas ainda assim é um espaço limitado e com empecilhos de acesso, seja por exigir a retirada da chave em outro local, seja pelo fato de haver um único fraldário para atender um prédio tão grande. A sala de amamentação seria um espaço de suporte geral e de apoio para as mães, até para o conforto e descanso, já que a amamentação demanda muita energia.”

A direção da Faculdade de Letras também atendeu a equipe da Agência IPPUR e informou sobre o andamento da solicitação. De acordo com a professora e diretora Sonia Cristina Reis, ocorreu uma reunião no primeiro semestre deste ano de 2023 para discutir a criação da sala de amamentação no prédio. A reunião contou com a participação de membros da Faculdade de Letras, incluindo a Direção Geral, Coordenação de Infraestrutura e Representantes da Comissão de Salas da Letras, bem como os representantes estudantis dos Centros Acadêmicos de Letras e de Gestão Pública. Como encaminhamento da reunião, foi indicada a possibilidade de utilização de um espaço adjacente à Copa Estudantil, localizada ao lado do Restaurante Universitário, no qual deverá ser instalada uma divisória, além de mobiliário apropriado. A direção da Faculdade de Letras destacou que este local foi escolhido por ser amplo, ventilado e por já possuir geladeira, microondas, mesas e cadeiras. Já as trabalhadoras terceirizadas e servidoras, incluindo docentes e técnicas, têm à disposição a sala de convívio, também espaçosa e equipada com mobiliário e eletrodomésticos. Não obstante, a diretora informou que os desafios orçamentários enfrentados pela Universidade impossibilitam a adaptação do espaço na Copa para a sala de amamentação ainda no segundo semestre de 2023. Desse modo, o projeto precisará ser reavaliado em virtude da contingência financeira.

É importante pontuar o compromisso com o atendimento da demanda, mas também manter uma mobilização persistente que amplie o conhecimento e a urgência de ações concretas por parte da universidade para a inclusão das mães nos seus espaços, com a estrutura e o apoio necessários ao exercício digno da maternidade. Além disso, como pontuado pelo CAGESP, a sala de amamentação pode servir tanto como um lugar de acolhimento para as mães, como um espaço direcionado para discutir políticas de permanência das mães na universidade, pautando os obstáculos enfrentados dentro e fora da UFRJ. Tanto o corpo estudantil como a Coordenação de GPDES apoiam essa ação, que muito pode impactar na vida das mães e contribuir para uma maior igualdade de gênero na universidade.