Lançamento da coleção “História da imigração no Brasil”
Boletim nº 82, 04 de outubro de 2024
Helion Póvoa Neto
Professor Associado aposentado do IPPUR
No dia 21 de setembro, ocorreu, no Museu da Imigração de São Paulo, o lançamento da coleção de três livros “História da imigração no Brasil”. O Museu, localizado na antiga Hospedaria dos Imigrantes, no bairro do Brás, na cidade de São Paulo, é um lugar significativo na memória da imigração para aquele estado, mas também para o país como um todo. Também é um espaço importante para os pesquisadores do tema e para os que reconhecem nos processos migratórios, tanto internos quanto internacionais, uma das dimensões mais relevantes na formação do território e da população brasileira.[i]
Devido à dimensão dos fluxos migratórios para o estado de São Paulo, é habitual que os pesquisadores e o público em geral desconheçam, ou dediquem atenção menor, aos processos migratórios que marcaram o ingresso, no Brasil, de imigrantes por outras vias de ingresso. Cabe destacar em especial a cidade e o porto do Rio de Janeiro, capital federal até 1960 e cidade mais populosa do país durante o século XIX e boa parte do século XX.
Em 1883, alguns anos antes, portanto, da criação da Hospedaria de São Paulo, foi criada, na Baía de Guanabara (atual município de São Gonçalo), a Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores. A localização geográfica da Ilha das Flores era relevante, pois a condição insular dispensava a passagem dos imigrantes pela cidade do Rio de Janeiro, considerada, já naquele momento, um foco de epidemias. Por outro lado, a localização facilitava o deslocamento dos imigrantes para outros destinos no país, tanto no interior (Rio de Janeiro e Minas Gerais principalmente), quanto no trânsito para outros portos.
A Ilha das Flores é um espaço de memória importante também porque, além de hospedaria para migrantes internos e imigrantes internacionais, funcionou também como espaço prisional. Após o encerramento da sua função como receptora de migrantes, passou a abrigar instalações da Marinha. Mas um dos prédios históricos foi preservado e abriga, hoje, o Museu da Imigração da Ilha das Flores.[ii]
A coleção “História da imigração no Brasil”, coordenada pelo professor Luís Reznik[iii], conta com a participação, como coorganizador do segundo volume e coautor de capítulos, do professor Helion Póvoa Neto [iv].
Helion Póvoa Neto, como professor associado aposentado do IPPUR-UFRJ, coordena no Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios (NIEM), laboratório que é também uma rede, ativa desde 2000, de pesquisadores, professores, estudantes, ativistas e outras pessoas sensíveis ao tema dos migrantes, refugiados, deslocados, minorias, no Brasil e no mundo.
O NIEM promove regularmente atividades (presenciais e remotas), como apresentações de trabalhos, filmes, debates e outras, em nome da pesquisa, da extensão, do ensino e da mobilização quanto à temática migratória.[v] Está registrado como grupo de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),[vi] certificado pela UFRJ, contando com a participação de profissionais de outras universidades e instituições, de diversas áreas disciplinares.
A cada período de três anos, o NIEM promove seminários, que reúnem interessados no tema, para expor pesquisas finalizadas ou em andamento, debater o estado da arte dos estudos migratórios e propor atividades de promoção da causa dos migrantes e refugiados.[vii]
A produção científica dos membros do NIEM encontra-se registrada em cinco livros já publicados, resultados dos seminários anteriores. Além disso, esta produção, como a de outros acadêmicos, ativistas e pessoas sensíveis à causa, é veiculada diariamente pela internet, através de uma lista de e-mails, alcançando milhares de pessoas e instituições no Brasil e no exterior. Através destes meios, o NIEM divulga suas atividades e as de outros grupos envolvidos com a problemática migratória. A lista do NIEM pode ser assinada por qualquer interessado mediante solicitação através do email NIEM.migr@gmail.com ou do site https://niem.com.br/ .
O NIEM mantém aberto a consultas, mediante marcação, um arquivo e biblioteca específicos sobre o tema migratório e outros correlatos, com cerca de 1.200 títulos, representando o único acervo especializado nesta problemática no estado do Rio de Janeiro.
A Biblioteca do NIEM fica na Rua da Lapa, 120, 2o. andar, sala 204, CEP. 20021-180, Rio de Janeiro – RJ. O acesso à biblioteca se dá mediante marcação, pelo email do grupo.[viii]
Os livros da Coleção
No primeiro volume, organizado por Luís Reznik, cada capítulo apresenta um determinado contexto histórico, relacionado às políticas imigratórias no Brasil e ao contexto internacional ao qual estas estavam relacionadas. Além de uma discussão sobre a historiografia da imigração no Brasil, é destacada a história da imigração durante o século XIX, do período que se segue, até os anos 1930, o período Vargas e o imediato pós-Segunda Guerra. Há ainda um capítulo específico sobre Nova Friburgo, local de um núcleo pioneiro, na escala nacional, no assentamento de colonos estrangeiros.
No segundo volume, organizado por Luís Reznik e Helion Póvoa Neto, a história da imigração no Brasil dedica-se aos movimentos contemporâneos, que representam uma descontinuidade da história migratória brasileira. A “tradição“ que buscava selecionar imigrantes considerados mais “desejáveis”, em geral brancos e de origem europeia, dá lugar a grupos étnicos e nacionais que inauguram um novo momento, com imigrantes e refugiados oriundos principalmente do Sul Global. Ao mesmo tempo, ocorre a novidade histórica de o Brasil ter passado a ser, desde as últimas décadas do século XX, também um lugar de emissão de fluxos emigratórios para outros países. Assim, o livro contém capítulos sobre as migrações transfronteiriças e o caso dos hispano-americanos no Brasil, sobre tráfico e contrabando de migrantes, sobre a imigração senegalesa recente, sobre o caso dos refugiados sírios e sobre as estratégias comunicativas das comunidades imigrantes no Brasil. Há ainda um capítulo que procura sistematizar a produção, já bastante significativa, da emigração de brasileiros para o exterior.
O terceiro volume, organizado por Luís Reznik, apresenta o registro de conversas com pesquisadores da imigração, ocorridas principalmente durante o período da pandemia, que destacaram aspectos menos tratados pela historiografia tradicional das migrações no Brasil. Aborda tanto a história de grupos étnicos e nacionais mais pesquisados, como os portugueses e os italianos em São Paulo e no Sul, quanto um grupo menos pesquisado, no caso os russos. Destaca também a imigração para o Rio de Janeiro, com foco nos árabes, judeus, italianos, portugueses, franceses, alemães, espanhóis e finlandeses. Bem como a história da imigração em estados de outras regiões, como o Pará, Mato Grosso, Espírito Santo e Amazonas. Finalmente, discute os processos de recepção de imigrantes e de patrimonialização dessa história com pesquisadores de outros museus da imigração nas Américas: São Paulo, Buenos Aires (Argentina) e Halifax (Canadá).
A coleção procura, enfim, destacar como as migrações, essenciais à compreensão da sociedade brasileira desde o início da sua história, continuam a contribuir para nossos processos de formação, interagindo com a realidade social. O tema migratório interpela a fundo nossas dificuldades e contradições, indagando ainda sobre as possibilidades de abertura e interação com o mundo global. Estes livros discutem, a partir de diversos enfoques disciplinares, alguns caminhos das migrações no Brasil, no passado, na contemporaneidade, em outros processos ainda em aberto.
Os livros foram publicados pela Fundação Getúlio Vargas, com financiamento da FAPERJ, e encontram-se disponíveis tanto em modo físico (papel) como digital (e-book).
[i] https://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/museus/memorial-do-imigrante/helion
[ii] https://www.hospedariailhadasflores.com.br/museu-da-imigracao
[iii] Licenciado e mestre em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), doutor em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj, atual Iesp). É professor do Departamento de Ciências Humanas e dos Programas de Pós-Graduação em História Social (PPGHS/UERJ) e Ensino de História (ProfHistória). Bolsista de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Cientista do Nosso Estado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), ambos desde 2016. Coordena o Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores. Publicou Imigração no Brasil e a hospedaria da Ilha das Flores (2015), Experiências da imigração: São Gonçalo nos séculos XX e XXI (2019), História da imigração no Brasil (2021), Linguagens políticas do Brasil democrático (2023), entre outros títulos que publicou e organizou, assim como artigos e capítulos de livros.
[iv] Graduou-se em geografia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com mestrado em planejamento urbano e regional pela UFRJ e doutorado em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP). Fez um estágio pós-doutoral no Centro Studi Emigrazione e no Scalabrinian International Migration Institute, em Roma. É professor associado, aposentado, do Instituto de Planejamento Urbano e Regional (Ippur-UFRJ). Coordena, desde 2000, o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios (NIEM), e nessa condição organizou diversos livros resultantes das atividades do Núcleo.
[vi] http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/34810
[vii] O último grande seminário do NIEM, realizado em 2023, ocasiona a organização de um livro, atualmente no prelo.
[viii] NIEM.migr@gmail.com