Meio Ambiente e Pandemias: o que esperar do futuro?

Boletim nº 17 – 23 de abril de 2020

 

Por Wander Guerra¹

 

É imprescindível que ao tratarmos da pandemia de Covid-19, ocasionada pelo vírus Sars-Cov-19, lembremos o quanto o surgimento de novas doenças cujo principais vetores são animais silvestres está intrinsecamente ligado à maneira como a sociedade e o modo de produção capitalista interagem com a natureza.

É cada vez mais evidente que, à medida que as intervenções do ser humano sobre a natureza crescem exponencialmente, mais a sociedade fica exposta a riscos patológicos desconhecidos. Ao passo que as fronteiras entre ambientes naturais e ambientes construídos deixam de existir, crescem as chances de patógenos – anteriormente contidos em habitats equilibrados – se apropriarem daquele novo ambiente.

Em outras palavras, enquanto o dito desenvolvimento depender do avanço das atividades humanas predatórias e da exploração desregulada de recursos naturais – capazes de promover alterações significativas no ambiente natural de ecossistemas complexos, seja localmente, seja globalmente – mais oportunidades os patógenos terão para se proliferar entre os seres humanos.

Isso se dá porque patógenos conseguem se reproduzir e sobreviver melhor em ambientes com menor diversidade biológica, onde há menos competição entre as espécies, como a inexistência de predadores naturais. Nesse sentido, quando habitats são afetados e encontram-se em desequilíbrio, os patógenos encontram condições favoráveis para se desenvolverem (MIGNATI, 2003). Soma-se a isso o fato de que, por exemplo, mudanças climáticas ou a utilização indiscriminada de agrotóxicos afetam diretamente o ritmo e a mutação de diversos patógenos.

Em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 2016) lançou um estudo em que apontava o surgimento de zoonoses como uma das questões ambientais mais urgentes. O estudo compilou uma série de pesquisas quantitativas que mostrou um aumento significativo de ocorrências de epidemias e pandemias ocasionadas por zoonoses nos séculos XX e XI, relacionando-o diretamente ao aumento da degradação ambiental, à perda de biodiversidade e à irreversibilidade das transformações em ecossistemas no mesmo período.

O PNUMA aponta ainda que a prevenção de zoonoses – como a Covid-19 – está estreitamente ligada à preservação de ecossistemas e, portanto, a questão ambiental é um fator chave para o controle do surgimento de novas pandemias, devendo ser aliadas a políticas de saúde, principalmente em países em desenvolvimento (PNUMA, 2019).

E, por falar em países em desenvolvimento, é importante para o Brasil observar a correlação entre degradação ambiental e proliferação de zoonoses. No início do século XXI, PIGNATTI (2003), após elencar uma série de casos associados às doenças infecciosas emergentes, alertou sobre uma perspectiva “um tanto sombria” para este milênio. A pesquisadora faz este alerta ao constatar que a relação entre desenvolvimento econômico, condições ambientais e de saúde são muito estreitos. Ela considera que as intervenções no ambiente foram bastante bruscas, razão pela qual  ocasionaram mudanças significativas na natureza, e portanto, facilitaram o surgimento de  epidemias primeiramente em comunidades locais, expandidas, depois,  para áreas metropolitanas e outras regiões.

Entretanto, é necessário perguntar se, nesse modo de produção capitalista, sustentado em uma globalização perversa em que os efeitos ambientais negativos e a degradação da natureza são distribuídas por todo o planeta, é possível realmente falar em preservação ambiental.

Por mais que a questão ambiental sempre esteja presente nos debates políticos, é perceptível que é impossível aliar uma preservação ambiental séria em um modelo predatório como este que sustenta o capitalismo mundial. Basta observarmos os discursos de governos protofascistas como de Jair Bolsonaro no Brasil, que refletem o mesmo nível de desprezo pela questão ambiental quanto pela emergência sanitária do coronavírus.

Por fim, podemos afirmar que são inúmeros os estudos epidemiológicos e de saúde que apontam uma nítida relação entre a preservação ambiental e o controle de doenças infecciosas. Elaborados em diferentes épocas, as pesquisas com base em dados históricos, apontam para um futuro incerto.

Para finalizar, também externo uma preocupação com futuro um tanto sombrio. Possivelmente, pandemias como a que vivenciamos agora serão cada vez mais frequentes, mais severas e mais perigosas, se o modo de como a sociedade capitalista – e principalmente o modo de produção – se relaciona com a natureza não mudar. Por fim, urge a necessidade de pensar um modo de produção e de vida para uma sociedade pós-capitalista que garanta qualidade de vida para a sociedade em seu todo, dignidade econômica e preservação de ecossistemas naturais, e por isso, precisamos pensarmos juntos em como superar este sistema destrutivo e insustentável e, para isso, alternativas não faltam.

Como diz Marx, a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.  E pelo que parece, estamos fadados a repetir esta tragédia, enquanto houver uma farsa regendo a sociedade.

Notas:

1. Engenheiro Ambiental e Sanitarista

2. PNUMA. Emerging Issues of Environmental Concern. Disponivel em: https://environmentlive.unep.org/media/docs/assessments/UNEP_Frontiers_2016_report_emerging_issues_of_environmental_concern.pdf. Acesso em: 12 abr. 2020

3. PIGNATTI, M. G. SAÚDE E AMBIENTE: AS DOENÇAS EMERGENTES NO BRASIL. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/asoc/v7n1/23540.pdf. Acesso em: 12 abr. 2020