Nossos corpos desestabilizam as estruturas impostas
Boletim nº 1 – 11 de setembro de 2019
Neste artigo para o site da Carta Capital, a pesquisadora Joyce Trindade (GPDES/IPPUR) aponta como a tentativa de invisibilização dos corpos negros se apresenta no planejamento da cidade e na massacrante distância das regiões periféricas até os locais de tomada de decisões institucionais.
O artigo “Compreender o passado, para enfrentar o presente e impactar o futuro” foi publicado no site da Carta Capital, em agosto de 2019. A autora Joyce Trindade é graduanda do GPDES/IPPUR e escreve sobre as temáticas da periferia, raça e gênero como estratégias de incidência social e política. É co-fundadora e diretora do Projeto Manivela e também faz parte do Mulheres Negras Decidem.
As opiniões emitidas neste artigo são de exclusiva e inteira responsabilidade do(s) autor(es), não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista e/ou posição institucional do IPPUR/UFRJ.
Por Joyce Trindade¹
O processo de formação da nação brasileira, durante o contínuo holocausto negro e indígena, é marcado pelo extermínio, dominação, coisificação e negação. A tentativa de invisibilização dos corpos negros se apresenta no planejamento da cidade e na massacrante distância das regiões periféricas até os locais de tomada de decisões institucionais, que são ainda mais intensificadas com as estruturas subalternizadas e discriminatórias dos modais de transportes presentes nas capitais.
Regiões periféricas mercantilizadas, segregadas e zoneadas com a autorização do Estado. Onde apesar da Constituição e as legislações urbanas preverem que o planejamento da cidade deve promover a democratização entre seus habitantes, notamos que as decisões tomadas em sua estruturação, expressam os privilégios das elites – herdeiros das empresas escravista, que sobretudo, são os principais interlocutores políticos e econômicos.
Os processos de negação de direitos fundamentais, violências sofridas pelo descaso do governo e a subalternização dos corpos periféricos, são institucionalizadas nas raízes históricas que estruturam as capitais e atingem predominante suas/seus moradoras/es negras/os e empobrecidas/os.
A população moradora de favelas no Brasil em 2010, chegou a cerca de 11,4 milhões de pessoas e somente no Rio de janeiro, estavam cerca de 1,4 milhão (IBGE, 2010). Uma nação de favelados! Soma-se a esse número os “territórios invisíveis”; locais periféricos não mapeados pelo Estado, que tornam-se campos de batalhas no processo de especulação imobiliária.
A omissão perpetua as estruturas da invisibilidade, através dos instrumentos privados de acumulação, que são arrojados de forma legal entre agentes econômicos e coalizões políticas. Múltiplos atores, distribuídos nas diversas hierarquias que constituem a vida urbana, disputam posições e recursos, sendo a cidade uma arena e objeto de disputa. Dessa forma, os territórios invisíveis apresentam-se como locais de maior vulnerabilidade, sendo alvo de rupturas nos espaços e dinâmicas sócio-espacial.
Periferia pautando o futuro?
A construção do saber e as formas de vivenciar/estruturar os territórios e as bases legais, estão intrinsecamente ligadas ao imposicionamento da branquitude, estruturando as normas e consequentemente a exclusão. Vocacionar novos arranjos sociais, expandir a compreensão legal do direito à terra e dos mecanismos do Estado, é um agenciamento libertário e urgente que se personifica nas ações de diversos movimentos e coletivos periféricos. Onde cada vez mais, se mostra notório a urgência de pautarmos o nosso futuro a partir da nossa ancestralidade e expertises adquiridas no caos, mas que com o tempo transformaram-se em tecnologias.
Não devemos romantizar as favelas e os territórios periféricos, pois como já apresentado ao longo do texto, são espaços construídos dentro dos processos de dominação e exclusão. Entretanto, também se torna urgente reconhecermos que as mesmas, são estruturas contrárias às imposições coloniais. Nações Periféricas que diante da morte e das lutas contra os espaços marginalizados, estão se organizando – se aquilombando, para viver e revolucionar.
Durante 2018, escutamos muitas pessoas afirmarem que “ninguém soltaria a mão de ninguém”. Pessoas de diferentes classes, cores e posicionamentos, convictas que aquele era o momento de criar articulações sociais e políticas da base e para base. Entretanto, querida/o leitora/or, as formas de agenciamento de sobrevivência e resgate de sonhos, permanece sendo consolidada pelos periféricos e para os periféricos – Ubuntu.
Agenciamentos afro futuristas de potencialidades e impulsionamento de micro transformações territoriais de intervenções coletivas de moradores locais. Micro processos de formulações de projetos de incidências sociais, organizacionais e políticas, que no futuro revelam-se em projetos de alcance revolucionários. Antes, éramos somente empregadas domésticas que insistiam da educação de seus filhos, hoje somos jovens doutores e mestres que estão alcançando espaços inimagináveis pelos seus antepassados – Micros agenciamentos, revelando-se em macros transformações.
O nós por nós sendo efetivado na disseminação dos conhecimentos obtidos dentro dos muros universitários, revolucionando o acesso à informação e estruturando modelos de projetos baseados na identificação dos seus corpos como sábios. A insurgência a partir das nossas movimentações, pois nossos corpos desestabilizam as estruturas impostas.
Compreender o passado, para enfrentar o presente e impactar o futuro.
¹Graduanda do curso de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (IPPUR/UFRJ)