Nota de Repúdio da Associação dos Geógrafos Brasileiros
Boletim nº 13 – 26 de março de 2020
A AGB-Rio vem a público manifestar o seu repúdio ao irresponsável e nada imparcial editorial do jornal O Globo, de 20 de março de 2020. De mãos dadas com os interesses do atual ministro da Economia do governo Bolsonaro e do capital financeiro, o referido jornal faz coro com a fragilização das condições trabalhistas dos trabalhadores brasileiros. Em vez de realizar um exercício de real compreensão da complexidade e das opções políticas do governo com relação à destinação dos recursos públicos, o jornal propõe a redução dos salários dos servidores públicos neste momento de crise. Com uma cínica argumentação de defesa de justiça, o periódico defende que a cruel medida proposta pelo Governo Federal para o setor privado, de redução salarial, também seja aplicada aos servidores públicos. Ou seja, argumenta por justiça e igualdade no prejuízo aos trabalhadores, chamando os servidores públicos de “intocáveis”, mas esconde os reais intocáveis da atual política de ajuste fiscal, o capital financeiro.
Este editorial ataca os direitos dos trabalhadores sob a retórica de responsabilização dos mesmos a respeito da fragilidade do sistema de saúde brasileiro, e esconde os desdobramentos nefastos à economia que tal medida proposta pelo jornal levaria. É abissal a distância entre tal afirmação e a realidade dos fatos, sobretudo em um país que destina mais de 40% do seu orçamento com juros e amortização da dívida pública (fonte: auditoriacidada.org.br), e figura ainda entre os 10 países do mundo com as maiores taxas de juros reais. O jornal prefere colocar a culpa nos servidores públicos e atacá-los, em vez de apontar que o atual governo com suas reformas liberais favorece os interesses do capital financeiro, não priorizando a geração de postos formais de emprego – o que levaria ao maior recolhimento de impostos, aumento do poder de consumo da população e à “saúde” da economia nacional (e não apenas de uma fração de classe).
Em vez de propor a manutenção (ou construção) de políticas capazes de garantir a saúde, segurança, o emprego e a sobrevivência da população, o jornal defende a retirada de direitos e a penalização de parte significativa dos trabalhadores brasileiros. São esses servidores públicos e sua estabilidade que garantirão o mínimo de condições de funcionamento de estabelecimentos comerciais e dos serviços, pois terão condições de pagar suas contas em dia e poderão continuar pagando seus prestadores de serviços em um contexto em que grande parte da população estará desamparada – pois seus direitos foram por anos seguidos atacados e retirados, sendo jogados em condições de subemprego, negociação direta com os patrões (como se houvesse condições de igualdade nessa negociação), informalidade e, agora, mesmo os que ocupam postos formais de emprego, enfrentarão a possibilidade de redução salarial justificada pela pandemia. Sem o funcionalismo público e a sua estabilidade a economia nacional quebra, e não o contrário.
É sabido que não há imparcialidade no jornalismo, mas deveria haver limites éticos. O referido jornal promove a desinformação quando utiliza um momento de crise e apreensão por uma situação nunca antes vivida em escala global, para capitalizar o medo das pessoas em prol dos interesses privados, defendendo posicionamentos com baixa complexidade analítica.
O estudo Três Décadas de Evolução do Funcionalismo Público no Brasil (1986-2017) mostrou que o pagamento do funcionalismo público representa somente 10,5% do PIB (dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)). Segundo dados do DIEESE, o país está longe de comprometer suas contas por causa da folha de pagamento, pois destina menos de 50% de sua receita corrente líquida à folha da União (limite, determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal). Os dados do Relatório Resumido de Execução Orçamentária de dezembro de 2019 nos mostram que o governo gastou somente 34% da Receita Corrente Líquida da União.
Além disso, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que o Brasil figura entre os países que têm menos servidores públicos em relação ao total de pessoas empregadas e em relação à população economicamente ativa.
Promover o terrorismo com argumentos difamatórios que colocam os servidores públicos como responsáveis pela falência do serviço público de saúde é promover, escancaradamente, mitos liberais que escondem as origens da crise do setor, criada por políticas de enfraquecimento do Estado, em especial a Emenda do Teto de Gastos que enfraquece os serviços públicos e abre caminhos para que o orçamento público reserve mais fatias para a iniciativa privada.
Isto posto, sugerimos que no lugar de criar recursos discursivos para ludibriar a população brasileira colocando-a contra os servidores públicos, destinem sua atenção às reais incongruências da política econômica governamental. Se houver de fato alguma intenção em informar a população, defendam os seus interesses promovendo jornalismo de qualidade e que apresente a complexidade das situações expostas, sem invisibilizar dados que não sustentam os seus argumentos.
Fazer justiça não é generalizar a precarização e a retirada de direitos, fazer justiça é destinar os recursos públicos para amparar a população neste momento de grave crise, em vez de continuar a remunerar regiamente os rentistas.
Fazer justiça é instituir o imposto sobre grandes fortunas (como a da família Marinho) e utilizar estes recursos para fortalecer o SUS e garantir uma renda mínima para cada brasileiro para que ninguém morra por falta de dinheiro para comprar comida, sabonete ou remédio.
Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local Rio de Janeiro