O horizonte neoliberal das ferrovias brasileiras

Boletim nº 81,  04 de setembro de 2024

Foto: Jéssica Rossone. Barra do Piraí (RJ), abril de 2023

 

Jéssica Rossone

Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional – PPGPUR/UFRJ

A esfera de produção das infraestruturas não interessa aos capitalistas, já que demanda longos e massivos investimentos e, comumente, fica a cargo do Estado (Werner; Brandão, 2019). A organização do espaço em uma coerência estruturada, com suas alianças regionais, também acontece a partir da regência do Estado, via mecanismos de regulação, instituições legais, executivas, de participação e negociação política, e até mesmo coerção ou repressão, ainda que possa também ser dinamizada por outras instituições (Harvey, 2005). Abordamos o papel do Estado nas relações que envolvem e condicionam a conformação da infraestrutura ferroviária brasileira na atualidade, tendo em vista como se deram estas relações no decorrer da história, para vislumbrarmos o seu horizonte. Afinal, se as relações de produção traçam o campo do Estado, este desempenha um papel autônomo em sua formação (Poulantzas, 1980). 

Durante a sua existência, a infraestrutura ferroviária brasileira esteve condicionada a diferentes formatações de Estado e posturas de governo que influenciaram e influenciam a implantação e a gestão das mesmas. O início de sua implantação foi durante a Monarquia (1822 – 1889), uma significativa expansão deu-se em um período de Oligarquia (1894 – 1930), e tentativas de integração, em Estados de exceção, como no Estado Novo (1937 – 1945). Já na Ditadura Militar (1964 – 1985) houve significativa desativação de linhas e redução dos trilhos. Atualmente, a infraestrutura se condiciona em um Estado Democrático de Direito, no qual o governo atual investe na expansão dos trilhos, ainda que lentamente, considerando-se a extensão continental do território brasileiro. Desde sua implantação, a gestão das ferrovias brasileiras esteve submetida a governos liberais e intervencionistas, sendo que desde o fim do século XX até a atualidade, existe uma hegemonia da lógica neoliberal nas práticas governamentais, que transfere esta gestão aos entes privados.

O sistema ferroviário brasileiro possui, em 2024, cerca de 33 mil quilômetros de extensão distribuídos de modo desigual pelo território. São 30.653 quilômetros de ferrovias voltados, predominantemente, ao tráfego de trens de cargas a longas distâncias, dos quais cerca de 1.500 quilômetros são compartilhados com o transporte de passageiros; 1.133 se referem à malha metroviária; e ainda há 1.742 quilômetros de ferrovias em construção, não implementadas (ANTT, 2023; CNT, 2024). Tendo em vista a sua extensão e abrangência, ainda que mal distribuídas, consideramos que o aproveitamento destas ferrovias está distorcido e aquém de suas potencialidades. Estas se encontram condicionadas aos interesses das empresas concessionárias, bem como daquelas que produzem o que é escoado, com ênfase aos mercados de commodities, o pode ser entendido tendo em vista o boom das commodities e o efeito-China (Michelotti; Siqueira, 2018), que se refletem nos índices de exportação e produção ferroviária na atualidade.

Ainda que o fim do século passado seja considerado um marco da instituição da neoliberalização no Brasil, é preciso evidenciar que no presente século, já passamos por diferentes crises e rodadas de neoliberalização, que lançaram mão de diferenciadas experimentações re-regulatórias (Brandão, 2017), e isto se verifica também no setor ferroviário. Com a privatização das ferrovias, a incumbência de geri-las vem sendo progressivamente transferida do Estado às concessionárias da infraestrutura, o que nos instiga a questionar sobre as consequências deste processo no que tange o desenvolvimento regional brasileiro e a sua influência nas já identificadas disparidades regionais.

Desde a instauração da lógica neoliberal no Brasil, as suas reestruturações acarretaram a desregulamentação do setor, reverberando em um controle cada vez maior do território por parte da iniciativa privada. Considerado o papel das commodities nas exportações brasileiras, além de crédito e isenção de impostos, o que os representantes do neoextrativismo no Congresso e no executivo indicam almejar é que lhes garantam fluidez através das redes logísticas de transporte que convergem para os portos exportadores (Acselrad, 2021). Diante disso, concordamos que, do ponto de vista da implementação da infraestrutura, a territorialidade é impactada, pois as redes sociotécnicas sustentadas por sua fixidez permitem a aceleração da circulação do capital associado à extração intensiva e extensiva de riquezas naturais (Werner; Oliveira, 2022). 

A reestruturação do setor de transportes no início do século e suas reorganizações, no decorrer dos últimos anos, são exemplos deste processo. O próprio Ministério dos Transportes (MT) passou por reformatações. A princípio, sua estrutura foi demandada no longo processo de Inventariança dos bens da extinta Rede Ferroviária Federal S/A, entre 2007 e 2019. Lembremos que as concessões ferroviárias aconteceram entre 1995 e 1998, dentro do Plano Nacional de Desestatização, quando houve a concessão da prestação do serviço de transporte nas malhas ferroviárias federais e o arrendamento dos bens da Rede. Entretanto, a Rede foi extinta apenas em 2007, quando ficou instituída a execução dos inventários sob a coordenação do MT (Decreto Federal nº 6.108/2007). Por outro lado, no momento da desestatização já era indicada a criação de órgãos para dirimir, no âmbito administrativo, eventuais conflitos entre o poder concedente, as concessionárias e os usuários (Sousa; Prates, 1997). A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), autarquias sob a jurisdição do MT, originaram-se também nesse sentido.

No decorrer deste século, a estrutura deste Ministério é influenciada por um conjunto de empresas, particularmente através da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que reúne, desde 1996, os acionistas que assumem as concessões ferroviárias. Esta Associação tem incutido pautas como a eliminação de gargalos ferroviários, a expansão das malhas, a segurança ferroviária, mas também a regulamentação e tributação sobre o setor ferroviário. Mantendo interlocução direta com o MT e os órgãos relacionados à extinta Rede, a ANTF já influenciou no desenvolvimento de políticas via participação em consultas públicas para subsidiar a elaboração e atualização de planos, como o Plano Setorial Ferroviário que integra o Plano Nacional de Logística, os Planos Plurianuais e obras de infraestruturas de transportes dentro do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), e mesmo na Política Nacional de Transportes.

 Observando particularmente a ANTT, que regula e fiscaliza a exploração e administração das ferrovias no país, e o DNIT, que implementa a política de infraestrutura de transportes, gere e executa obras, temos visto a apropriação do setor pelos entes privados e por sua lógica de gestão. Desde a sua criação, o DNIT se dedica ao estudo, à elaboração de projetos e à execução de obras para eliminar interferências mútuas entre populações e operações ferroviárias. É o caso do Programa Nacional de Segurança Ferroviária em Áreas Urbanas (PROSEFER), elaborado entre 2008 e 2011, que orienta investimentos e intervenções nos principais corredores logísticos do Brasil. Assim como o DNIT, a ANTT tem se debruçado, no decorrer de sua existência, na questão dos conflitos urbanos, em estreita relação com as concessionárias ferroviárias. A visão da Agência consta na publicação Proposições para solução de conflitos ferroviários urbanos, de 2014, que objetivou subsidiar projetos de investimento no Sudeste e Sul do país. Nesta há, inclusive, um capítulo para tratar das “Sugestões das concessionárias” (ANTT, 2014, p. 66), no qual a instância pública é descredibilizada, junto à proposta de mais autonomia para as concessionárias na execução de obras na infraestrutura.

A neoliberalização do setor ferroviário pode ser também observada através das parcerias público-privadas (PPPs), fundadas na transferência de atribuições do setor público para a iniciativa privada, com a redução ou eliminação de riscos e o incentivo do envolvimento desta em investimentos em empreendimentos daquele. A relação público-privada nestes moldes foi normatizada pela Lei Federal nº 11.079/2004 e desde então é articulada por uma série de dispositivos. Vimos, por exemplo, que com o Programa de Parceria de Investimentos (PPI), lançado em 2016, a espoliação das ferrovias brasileiras ganhou um apelo mais amplo envolvendo outros ativos públicos, incluindo a participação das grandes agências reguladoras e de bancos públicos, tendo o BNDES como um dos seus principais financiadores. A construção, a expansão e a adaptação de vias férreas e, nos últimos anos, os investimentos relacionados às renovações dos contratos de concessão das ferrovias, têm investimentos enquadrados no PPI. 

A questão tributária também implica na neoliberalização do setor. Com a Lei Kandir (Lei Complementar n.º 87/1996), sancionada na mesma época das concessões, as exportações de commodities agrícolas e minerais ficaram isentas do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que propiciou a consolidação da especialização das operações de transporte na infraestrutura ferroviária. Mas, no presente século, outros mecanismos viriam para incrementar esta conformação. É o caso do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto), que isenta do IPI-Importação, Pis-Importação e Cofins-Importação no caso de máquinas, equipamentos, peças de reposição e outros bens quando importados diretamente e destinados ao seu ativo imobilizado. Quando foi instituído, em 2004, o Reporto não contemplava as concessionárias ferroviárias, mas com a articulação de instituições como a ANTF junto ao governo federal estas foram incluídas (Lei n.º 11.774/2008) e beneficiadas nos casos especificados. É também o caso do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), que desonera a implantação de projetos de infraestrutura em setores como o de transportes (Lei Federal n.º 11.488/2007) com a suspensão da incidência das contribuições Pis/Cofins.

Ao longo do século XXI, o Estado brasileiro instigou o processo de neoliberalização do setor ferroviário de diferentes modos, consolidando a transferência da infraestrutura ferroviária aos entes privados e proporcionando diferentes estímulos para as empresas que controlam as ferrovias – desburocratização de processos, empréstimos, juros baixos e taxas a longo prazo, financiamento de obras e aquisição de equipamentos a partir da utilização de fundos públicos, especialmente pelo BNDES, além de um arcabouço tributário favorável, debêntures incentivadas e parcerias público-privadas. Este modelo tem sido positivo à produção ferroviária. Por outro lado, as ferrovias se tornaram “apenas um meio de transporte eficiente para as commodities agrícolas e minerais negociadas pelo país, produzidas ou extraídas em áreas tradicionais ou em novas fronteiras de monocultura” (Ipea, 2010, p. 4), sendo o desenvolvimento socioeconômico das regiões por onde passam considerado irrelevante. Em diferentes aspectos, percebemos que a territorialidade tem se ajustado aos moldes da inserção internacional da infraestrutura, e isso tem reproduzido, no espaço, heterogeneidades e assimetrias (Werner; Oliveira, 2022).

Não obstante, acompanhamos, a partir de 2020, algumas experimentações re-regulatórias no setor, envolvendo condutas institucionais, discursos legitimadores, legislações, incentivos fiscais e financeiros. 

Desde então, além de ser visível a íntima relação das autarquias do governo federal com os entes privados, observamos que os seus valores, missão e conduta vêm sendo transformados consoante a lógica empresarial, em alinhamento ao quadro normativo instituído no âmbito de toda a administração pública (Decreto Federal n.º 9.203/2017), e ao art. 3º da Instrução Normativa nº 24/2020, da Secretaria Especial de Desburocratização. Isto se nota no conjunto de relatórios publicados pela Agência reguladora, nos quais, nos últimos anos, aparecem expressões e abordagens como “gestão de riscos”, “governança”, “modelo de negócio”, “cadeia de valor”. Notadamente, a partir de então, conformou-se o que seria o “modelo de negócio da ANTT”, que assume a relação com os stakeholders como parte relevante do cumprimento de sua missão institucional, procurando “satisfazer as necessidades das partes interessadas” (Relatório Anual ANTT, 2023, p. 08). E ainda, desde 2023, em meio à intensificação das relações entre as empresas concessionárias e as repartições públicas, observamos a elaboração de discursos de legitimação, como o Prêmio ANTT – Destaques (Portaria ANTT/DG n.º 330/2023), organizado pela Agência com o apoio da ANTF, para reconhecer ações de destaque das concessionárias ferroviárias. 

Desde 2020 acontecem as primeiras renovações antecipadas de concessões ferroviárias no país. Após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, que reconheceu a constitucionalidade dos dispositivos da Lei 13.448/2017 que flexibilizam os critérios para a prorrogação antecipada de contratos de concessão de ferrovias sem a necessidade de licitação, passou-se a adotar a expressão renovação da concessão [1]. Desse modo, o contrato com a Rumo Logística, referente à concessão da Malha Paulista, foi renovado até 2058. Em seguida, os contratos com a Vale, referentes às concessões da Estrada de Ferro Carajás e da Estrada de Ferro Vitória a Minas, foram renovados até 2057. Já a renovação antecipada da concessão da Malha Regional Sudeste para a MRS Logística, até 2056, aconteceu em 2022. A renovação da concessão da Ferrovia Centro Atlântica (FCA) com a empresa VLI Multimodal está em negociação. As condições colocadas pelo Estado para as renovações foram o aumento do volume transportado e a redução do nível de acidentes, praticamente as mesmas do momento das concessões, há quase trinta anos atrás. Por outro lado, outra condição foi o investimento do valor da outorga no aperfeiçoamento da infraestrutura e na superação de gargalos logísticos, com a construção de vias alternativas nas cidades, como viadutos e pontes. Percebemos que tais condições incentivam a produtividade nas ferrovias, mas praticamente não se voltam ao desenvolvimento das localidades atravessadas pelas vias férreas e, de certo modo, anseiam sujeitá-las. Isto indica que as desigualdades observadas no território, particularmente nestas localidades, poderão ser enfatizadas.

Na atualidade, observamos práticas reformistas que ajustam a economia política aos impasses atuais, consoantes à manutenção do capital em neoliberalização nas ferrovias brasileiras. É o que notamos com o processo eleitoral de 2022 e o temperamento conciliador do governo eleito no Brasil, apesar de o afastamento da política de extrema-direita, por si só, significar uma vitória. Neste ínterim, verificou-se a oportunidade para uma reestruturação do setor. No Plano de Governo Lula Alckmin (2022, p. 13) consta que

  1. É preciso garantir a modernização e a ampliação da infraestrutura de logística de transporte, social e urbana, com um vigoroso programa de investimentos públicos. Vamos assegurar a imediata retomada do investimento em infraestrutura, fundamental para a volta do crescimento e decisivo para reduzir os custos de produção.

Ao longo de 2023, o governo criou a Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário para articular investimentos privados para o setor; prorrogou o Reporto por cinco anos; aprovou a isenção do ICMS de empreendimentos ferroviários; retomou e concluiu obras em infraestrutura ferroviária; inseriu os projetos ferroviários como prioridade no Novo PAC, pactuou concessões e dedicou-se à estruturação do Plano Nacional de Ferrovias (MT, 2024a). 

Em 2024, o governo regulamentou os Recursos para Desenvolvimento Tecnológico e para Preservação da Memória Ferroviária. Além disso, criou e regulamentou as debêntures de infraestrutura, que permitirão aos entes privados captarem recursos no mercado e aplicarem em projetos ferroviários. E ainda, com as renovações antecipadas das concessões, um grande volume de capital privado deve ser investido nas ferrovias nos próximos anos, o que já vem acontecendo paulatinamente a partir da autorização de algumas renovações. 

É importante observarmos que, no decorrer de 2024, juntamente à atualização nos critérios para as renovações antecipadas (Portaria MT n.º 532/2024), acontece a revisão das concessões ferroviárias cujos contratos foram renovados antes do prazo pelo governo anterior, com a repactuação dos valores de outorga. O governo federal questionou as concessionárias, exigindo valores devidos ao poder público e, até o momento, apesar de ainda negociar com a Vale, já pactuou ajustes nos valores com as empresas Rumo Logística e MRS Logística para que os ativos públicos sejam remunerados corretamente.

Não obstante, além de terem sido enquadrados no PPI e no Reidi, os valores pagos pelas concessionárias ao Estado brasileiro serão investidos, incorporados como capital fixo nas próprias ferrovias, e pouco a pouco postos em circulação nas operações ferroviárias nelas empreendidas. Logo, serão revertidos às próprias empresas. Notadamente, o governo entrega a infraestrutura nas mãos da iniciativa privada, sem praticamente obter dela proveitos, nem sequer perceber recompensas ou compensações. 

E ainda, neste processo as concessionárias incorporam feições de administração pública, elaborando e pactuando projetos nas localidades atravessadas pelas ferrovias, no intuito de mitigar ou extinguir as interferências que seus centros urbanos acarretam às operações ferroviárias. O setor empresarial alia-se aos poderes e agentes locais, protagonizando e orientando processos de transformação dos espaços públicos de acordo com seus próprios interesses, utilizando-se de tecnologias próprias da governança neoliberal. Desse modo, consideramos que haverá uma regionalização de gastos em infraestrutura, baseada em políticas de atração de investimentos privados em locais de interesse na extensão das ferrovias, particularmente em determinadas cidades nas quais há pontos estratégicos para as operações ferroviárias, onde estão localizados pátios, oficinas e entroncamentos. Sendo assim, como consequências, além da progressiva presença do setor empresarial na esfera política e no controle territorial, haverá intensificação de disparidades socioespaciais.

As renovações têm envolvido valores tão expressivos que o MT tem divulgado a instituição de um ousado Plano Nacional de Ferrovias que seria mobilizado, em grande parte, pelas outorgas pagas em decorrência da otimização dos contratos. Neste plano, um dos objetivos seria promover leilões para concessões de corredores de desenvolvimento com aporte governamental, acionando o modelo das PPPs. Os projetos ferroviários seriam oferecidos ao setor privado com taxas de retorno elevadas, atraindo investidores e operadores (MT, 2024b). 

No segundo semestre, uma comitiva do Ministério dos Transportes viaja para China e Arábia Saudita a fim de apresentar empreendimentos que desenvolve a investidores. Essas serão as últimas paradas de um ‘roadshow’ realizado neste ano, e a ideia é já ‘vender’ nesta ocasião essas ferrovias (CNN, 2024).

Desse modo, é provável que os acordos realizados recentemente reflitam na produtividade das operações ferroviárias, mas sobretudo nas políticas públicas para as ferrovias brasileiras, intensificando a especialização da infraestrutura ferroviária enquanto corredores logísticos de exportação, o que acarretará a intensificação de desigualdades no território. Ainda que haja negociações e atualização dos critérios para as renovações antecipadas, que à princípio se mostram mais rígidos, ao renovar a concessão da infraestrutura nestas condições o Estado brasileiro mantém e intensifica a neoliberalização do setor, condicionando a organização do território à gestão privatizante das ferrovias e sujeitando as pessoas, já destituídas das alternativas de ir e vir pelos trilhos, à destituição do ir e vir pelas cidades. Viemos observando, por conseguinte, um horizonte neoliberal nos trilhos das ferrovias brasileiras.

 

¹Os dispositivos da lei foram questionados em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República sob a alegação de ofensa aos princípios constitucionais da eficiência, impessoalidade, moralidade e razoabilidade, além de violar a regra da licitação e comprometer a qualidade dos serviços oferecidos à sociedade. O STF, no entanto, entendeu pela constitucionalidade dos dispositivos, considerando que as prorrogações são analisadas caso a caso e sujeitas à fiscalização e à consulta pública. 

 

Referências:

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