PEC Emergencial como instrumento de chantagem e destruição neoliberal

Boletim nº 45 – 17 de março de 2021

 

Por Breno Serodio1

 

O artigo, escrito por Breno Serodio, graduando do GPDES/IPPUR, elucida as questões abordadas na Live “PEC Emergencial e o mito da crise fiscal brasileira”, que ocorreu em 09/03 no Canal da Agência IPPUR. O avanço do neoliberalismo na Política Econômica brasileira aprofunda injustiças e desigualdades sociais, e tem como principal medida a austeridade fiscal. O texto busca sintetizar as observações levantadas pelos convidados Juliane Furno, André Modenesi e Élida Graziane Pinto e discutir os impactos sociais dessa temática, que engloba ainda o papel do Estado no desenvolvimento do país.

“O período de destruição institucional no Brasil se aprofunda desde 2016, a partir  da Emenda Constitucional nº 95/2016, que pode ser compreendida como marco da política de austeridade fiscal no período recente. Acompanha a medida a Reforma Trabalhista do mesmo ano,  que promoveu a perda de direitos  e a precariedade das condições de trabalho. O entreguismo e a perda do papel estatal como indutor do desenvolvimento também se evidenciam na Reforma da Previdência, na aprovação da autonomia do Banco Central, na PEC Emergencial e na proposta de Reforma Administrativa (PEC 32/2020), questões mais recentes defendidas pelo Governo Bolsonaro.

Com relação à autonomia do Banco Central, ressalta -se que não se trata de autonomia plena, mas de submeter as decisões da autoridade monetária aos desígnios do mercado financeiro. Vale ressaltar que o Banco Central, além de ser o “Banco do Governo” e o “Banco dos Bancos”, se apresenta como regulador do sistema financeiro. Com isso, na prática, sua autonomia significa a entrega de seu regulador ao sistema financeiro, perdendo assim a força das políticas econômicas e flexibilização monetária, impactando diretamente a classe mais vulnerável na pirâmide social brasileira.

Uma Economia que não se preocupa com a justiça social e não enfrenta suas  desigualdades, condena o povo ao desemprego e à miséria. A ideia de que o crescimento econômico e a distribuição mais igualitária da renda se realizam a partir da austeridade fiscal tem se evidenciado como uma falácia no sistema capitalista.

A live “PEC Emergencial e o mito da crise fiscal brasileira” buscou analisar mais uma das políticas de austeridade propostas pelo governo e revelar as dicotomias desse paradigma hegemônico no debate nacional.  Daniel Negreiros (IPPUR/UFRJ), mediador do debate, apresentou a temática central: a questão fiscal brasileira e a PEC 186/2019. A conhecida “PEC Emergencial” se apresenta como mais um capítulo da política de austeridade e de enfraquecimento do Estado e das políticas públicas.

Juliane Furno, Doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e Economista-Chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), destaca as premissas da proposta e a modificação no arranjo fiscal brasileiro. Esse conjunto de propostas e políticas de corte nas despesas primárias não decorrem de uma opção técnica ou algo que se tome como “correto” nas políticas econômicas, mas sim parte de um conjunto de pressupostos teóricos, em última instância, políticos, que são travestidos de algo necessário e uma salvação para a crise brasileira.

A economista argumenta que se trata de uma chantagem neoliberal, ao fragilizar um conjunto de gastos e políticas sociais universais como condicionante para a manutenção de políticas de renda focalizada, ou seja, a troca do auxílio emergencial por diminuição brutal nos investimentos em âmbitos básicos na sociedade. Os argumentos em prol do corte de gastos advogam três mitos:  o comparativo do funcionamento do Estado de forma análoga à uma família ou empresa; a ideia de que o desequilíbrio entre receitas e despesas que aconteceu no cenário fiscal brasileiro é um problema do excesso de gastos e, por fim, a ideia de que os cortes de gasto, como a PEC emergencial, são de suma importância para o desenvolvimento do país, ao atrair investimentos estrangeiros e promover o crescimento econômico e a eficiência do Estado.

André Modenesi, Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2008) e Professor do Instituto de Economia da UFRJ, salienta a falsa comparação de outros agentes econômicos ao Estado, que se destaca como singular nesse debate e adentra na disputa política que o neoliberalismo impõe, disfarçado de decisão técnica, revelando que a teoria econômica não é neutra. André Modenesi apresenta ainda os números alarmantes sobre os recursos na educação, pela grande demanda diante de uma oferta restrita, o que se impõe como um desafio, se comparado aos mínimos estabelecidos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), explicitando a gravidade da realidade brasileira.

Élida Graziane Pinto, Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo e pós-doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), analisa os impactos na capacidade do Estado em garantir os direitos constitucionais, enquanto o Governo persegue o equilíbrio fiscal como solução para a crise econômica.  Parte do argumento de que a PEC Emergencial (PEC 186/2019) se enquadra em um conjunto de propostas que redesenham a Constituição há alguns anos e com isso existe um movimento de erosão orçamentário-financeira da proteção constitucional para os direitos fundamentais.

Em linhas gerais, a disseminação de um caráter estratégico e uma espécie de “salvação” para os problemas estruturais brasileiro tomam conta das dinâmicas políticas. Endossado por grande parte da mídia tradicional, os projetos, reformas e ajustes que são propostos a fim de resolver a recessão brasileira mascaram o projeto neoliberal de desindustrialização, entreguismo e perda da potência nacional. A percepção de “única saída” tenta impedir o debate acerca da questão de políticas econômicas e vão de contrapartida ao que países no mundo fazem nesse momento de pandemia.

Os ataques às instituições não são uma novidade do Governo Bolsonaro, contudo, a agressividade se revela no caráter emergencial, a despeito da crise do coronavírus (e do capitalismo global). As tomadas de decisões estratégicas são escondidas pelo véu de salvação e  argumentação como única saída para a crise. Por isso é de extrema relevância deixar claro o viés dessas decisões e o caráter ideológico da destruição estatal que assistimos no país. Vivemos no “mito da travessia interrompida”, em que primeiramente era necessária a implementação do Teto de Gastos, pois assim o desenvolvimento aconteceria; depois as Reformas da Previdência é Trabalhistas apareceram como fundamental e agora os olhos se voltam para a Reforma Administrativa e a Desvinculação Institucional. Apesar de todas as medidas neoliberalizante,  o país enfrenta uma severa recessão e os resultados e impactos prometidos não são entregues.”

 

1Graduando do curso de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (IPPUR/UFRJ)