PPGPUR indica tese sobre a questão do fracking no Brasil ao Prêmio CAPES de Tese 2024
Boletim nº 79, 05 de junho de 2024
O Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PPGPUR) do IPPUR indicou a tese de doutorado da pesquisadora Bianca Dieile da Silva, intitulada “Os Limites do risco: a questão do fracking no Brasil”, para concorrer ao Prêmio CAPES de Tese 2024. A tese foi escolhida por uma comissão avaliadora formada pelos professores Luiz César Ribeiro (IPPUR-UFRJ), que a presidiu, Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva (UFRN), Jeroen Klink (UFABC) e Sarah Feldman (USP), considerando critérios de relevância e atualidade; originalidade da pesquisa; abordagem metodológica; redação e estruturação do texto; e contribuição para o campo temático investigado.
A pesquisa, conduzida sob a orientação do professor Henri Acselrad, tratou dos riscos associados ao uso do fracking – técnica de extração do gás natural – e das disputas envolvendo as tentativas de permitir sua utilização no Brasil e as resistências a elas. Conforme resumo fornecido pela autora:
“O fraturamento hidráulico de alta pressão, ou fracking, é uma técnica de extração de gás natural, que foi proposta de ser usada no Brasil, porém a sua segurança se tornou uma controvérsia, e, seu uso não foi efetivado no país. A Tese abordou a questão tendo por base a construção social dos riscos, assim, procurou-se identificar como são traçados os limites para a aceitação de técnicas perigosas. A pesquisa demonstrou que os riscos evocados levaram à suspensão de permissões de uso do fracking em diversos territórios; porém, a disputa continua, também com engajamento de setores acadêmicos.”
Além da tese de doutorado, dois textos já foram publicados como resultado da pesquisa: o capítulo chamado “Princípio da precaução e as implicações do fracking na saúde ambiental e pública” no livro Fracking e a exploração de recursos não convencionais no Brasil: riscos e ameaças e o artigo “Escenario del fracking en Brasil”, publicado na Revista ESTUDIOS LATINOAMERICANOS (2019).
A equipe da Agência IPPUR conversou com a pesquisadora sobre a indicação ao Prêmio e sobre alguns aspectos do tema trabalhado na tese. Confira a seguir:
Agência IPPUR: Como você recebeu a indicação da sua tese para o Prêmio CAPES, considerando o cenário atual das questões socioambientais no país?
Bianca: Eu recebi com muita alegria. Em um momento tão delicado onde vemos o desmanche das políticas de proteção ambiental e o aumento de conflitos ambientais, receber esta notícia trouxe uma esperança de que ainda podemos refletir e agir para garantir um futuro mais seguro para nós e para as futuras gerações. A academia sempre foi um lugar de disputa de ideias, e ter este trabalho reconhecido em um campo que era novo para mim foi inesperado e encorajador no sentido de que este trabalho ganhe o mundo e que seja mais difundido. Tenho trabalhado com as questões que envolvem ambiente e saúde desde muito cedo e pretendo que as reflexões trazidas na tese sejam abordadas em futuras pesquisas e nos cursos dos quais participo na Escola Nacional de Saúde Pública na Fiocruz, de modo que o processo possa ser compartilhado cada vez mais.
Agência IPPUR: Sua pesquisa trata dos limites à permissão do uso de tecnologias perigosas, tendo em vista seus impactos na saúde humana e ambiental. Como a noção de “riscos” é compreendida pelos setores favoráveis e contrários à adoção do fracking no Brasil e de que modo ela conseguiu, até o momento, barrar as tentativas de autorizá-la?
Bianca: Os “riscos” ou a ideia deles pode ser um sinal de aprendizado coletivo diante de erros pregressos ou de escolhas inadequadas. Na discussão do fraturamento hidráulico de alta pressão para extração de gás natural, mais conhecido como fracking, que foi o tema do meu trabalho, as inúmeras ocorrências de impactos sociais, ambientais e sanitários registradas em territórios onde esta tecnologia já foi utilizada serviram como base para a construção de um cenário de riscos tão abrangentes que alguns setores organizados da sociedade acreditaram que a sua adoção no Brasil seria um equívoco. Assim, este setor contrário à sua implementação, onde eu também atuo, se utilizou do princípio da Precaução e conseguiu que a sua adoção fosse suspensa e em alguns lugares proibida. Esta mobilização exitosa é um fato raríssimo no nosso país, que permanece adotando tecnologias arriscadas e perigosas com processos limitados de controle social, por isso tão importante de ser estudada para compreendermos melhor suas estratégias. Do outro lado da disputa, os favoráveis à adoção do fracking, representados principalmente pelo capital fóssil e seus aliados, muitas vezes políticos, possuem um grande poder de mobilização e continuam na disputa a partir de uma perspectiva na qual a abordagem sobre os riscos é limitada a alguns campos, como o da engenharia de petróleo, sem considerar os riscos às populações que eventualmente compartilham o território com estas atividades. Diante das suspensões e proibições, estes atores reviram as suas estratégias de convencimento e agora vemos que há um envolvimento maior de setores estatais e de acadêmicos na sua defesa. Porém, com os recentes acontecimentos desastrosos relacionados às mudanças climáticas, eu acredito que a suspensão se manterá e aguardo por uma proibição no nível nacional, o que garantiria maior segurança, inclusive hídrica aos territórios.
Agência IPPUR: A tese também aborda os desdobramentos da disputa relativa à utilização do fracking, com o envolvimento de setores acadêmicos, o que inclui a sua própria pesquisa. Qual a sua análise sobre essa participação, seu papel, limites e desafios?
Bianca: Os pesquisadores são importantes e reconhecidos no papel de especialistas que definem em alguma medida o que é bom ou não para a sociedade como um todo, então eu considero uma responsabilidade muito grande. Trabalhar como pesquisadora em saúde pública me deu uma visão diferenciada dos impactos socioambientais que são evidenciados nas vivências com populações afetadas por tecnologias altamente poluentes. Eu mesma vim de uma cidade que tem na cabeceira da sua bacia hidrográfica uma mina de urânio desativada, eu me indignava muito com isso, como a minha geração tem que lidar com decisões tomadas antes e que, eu, hoje, considero equivocadas. Então como pesquisadora eu resolvi falar sobre como nós pesquisadores também somos parte dessas tomadas de decisão e que devemos nos posicionar nos processos do nosso tempo. Durante a pesquisa eu assisti a muitos eventos científicos sobre o fracking e como os pesquisadores de setores mais próximos à indústria trabalhavam para criar estratégias visando à implementação do fracking, compartilhando um ponto de vista muito limitado sobre os riscos, e por isso eu resolvi descrever este processo a partir do meu ponto de vista, compreendo as limitações disso e ainda refletindo sobre os seus desdobramentos. Uma destas reflexões foi movida pelo medo, diante de um número crescente de perseguição e criminalização de pesquisadores. Na própria Fiocruz tivemos alguns casos de processos judiciais movidos por indústrias poluentes contra pesquisadores que relatavam seus impactos na saúde tanto de trabalhadores quanto de moradores próximos. Mas conversando com estes pesquisadores também veio a inspiração de que o posicionamento é importante e acreditar que não estamos sós no enfrentamento para que tenhamos um mundo mais seguro e saudável para todos.