Quadro Retinto

Boletim nº 19 – 07 de maio de 2020

 

Por Caio Lafaiete

 

Eu percebo detalhadamente todos os olhares que pintam o meu corpo como uma ameaça.

Eles sentem fome, eles sentem medo

Os tantos olhares me fitam incansavelmente

E enfeitado por um perigo que eu não cometi

Meu rosto é estampado com cores em alma.

 

Como bons pintores

Os olhares me gravam no quadro retinto de minha pele

As suas sobrancelhas suspensas delineiam a moldura

As suas retinas sobressaltadas dão cor ao meu quadro

A testa franzida determina a largura, o dilatar das pupilas o comprimento.

Feito feiticeiro e seu feitiço

Sou enquadrado como fetiche ao feitio da cor de quem pinta

Nas ruas, em qualquer lugar

Na porta de minha casa, onde quer que eu vá

Eles me olham como se o meu corpo fosse a pistola, o gatilho e a bala

E como se a minha presença fosse o estrondo.

 

Eles olham, comentam…

Aturdidos e amedrontados

Quebramos pescoços…

“Esconde a bolsa, aqui é perigoso”

Correm, denunciam, fogem, se distanciam

E distanciam o meu corpo de qualquer mínima humanidade.

 

Eu percebo detalhadamente todos os olhares que pintam o meu corpo como uma ameaça

E quando o meu corpo animalizado, facetado e estereotipado ousar dizer:”mas eu nem fiz nada!!!”

Eu já terei ajudado a porcentagem.

 

O meu corpo é preto e de risco

O meu corpo é uma ameaça

O meu corpo é um lugar perigoso. CUIDADO! arisco!

O meu corpo é o cumpra-se e o faça.