Relato: Aula Inaugural 2021

Boletim nº 49 – 04 de agosto de 2021

 

Por Yêda Assunção¹ e Equipe Agência IPPUR

 

O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) recebeu com grande honra e satisfação, em sua aula inaugural do ano letivo de 2021 Renato Lessa, Professor Associado de Filosofia Política da PUC-Rio e Professor Convidado da Lettres Sorbonne Université, Paris/França (2021/2022). Autor de várias obras, o Professor brindou o IPPUR com uma exposição sobre seu recente artigo intitulado “A Destruição: Bolsonaro, a palavra podre e a desfiguração da democracia”, publicado na Revista Piauí.

Lessa iniciou sua fala afirmando que o bolsonarismo “é um fenômeno sem conceito (…) não possui um conceito que o elucide”.  A partir de uma abordagem filosófica, argumenta a necessidade humana de conceituar como forma de garantir previsibilidade e reduzir nossas incertezas, “uma espécie de auto-preservação, dar nome ao inaudito”. Afirma, com base em Hans Blumenberg, que “todos nós fomos treinados teórica e metodologicamente a trabalhar com conceitos (…) aplicativos capazes de elucidar, iluminar eventos que se dão no mundo empírico, no mundo histórico (…)os conceitos seriam uma certa dimensão de conforto, de alívio. (…) cognitivamente, mesmo diante de coisas perturbadoras, nós teríamos um abrigo conceitual (…). A posse do conceito está a serviço de uma vontade, de um desejo, de saber do que se trata”.

Diante de coisas inauditas, inesperadas, os  conceitos que nós damos são formulados ex-ante e estão a serviço de algo que já sabemos anteriormente. Ao aplicá-los e projetá-los naquilo que aparece surpreendentemente, “sobrevém um certo alívio de saber do que se trata”. 

Lessa ressalta que o  bolsonarismo passa por uma disputa conceitual, uma busca por um verdadeiro nome que possa elucidar “o grande desastre que se abateu sobre nós”, como autoritarismo, fascismo, necropolítica, entre outros, de modo a sermos capazes de compreender e imaginar alternativas. No entanto, o filósofo afirma que o bolsonarismo não é redutível a um conceito, não tem uma  história política, nem doutrinária, a despeito da sequência de fatos políticos que o antecederam, até 2018.

“Certos eventos são tão perturbadores e disruptivos que eles aparecem como irredutíveis à própria sequência imediata dos fatos que foram precedentes. Quando se reconstitui toda a dinâmica anterior (…) os efeitos são muitos maiores do que as causas, cuja lógica, cuja dimensão não é redutível à enumeração de seus antecedentes (…) se narrado à luz de uma história política, o resultado é maior, muito mais deflagrador, muito mais destruidor do que uma série discreta de pequenos fatos que foram se depositando ao longo do tempo.”

Também não tem doutrina, pois dar ao fenômeno bolsonarismo uma doutrina seria supor que estivesse vinculado à um projeto: “o projeto é algo que os humanos produzem a partir de suas capacidades imaginárias, a partir da capacidade de produzir cenários (…) atribuir um projeto a esse eventos é dar a ele uma dignidade programática, doutrinária, uma interpretação do que o Brasil deve ser (…) ele tem planos para fazer uma coisa imediata”. Apesar da ausência de um conceito que o elucide e de uma história política e doutrinária que o justifique, há muito a ser dito sobre ele, a partir de “seus efeitos de destruição”.

Ressalta-se a importância da “mostração”, da criação de uma “fenomenologia da destruição”. Parte-se da ideia de que há uma destruição em curso, para em seguida, proceder uma redução teórica do que observamos e responder “do que se trata quando se destrói?”. O que se observa é que as múltiplas ações de destruição têm conteúdos diversos, mas possuem em comum “uma forma de lidar com o país”, que busca aniquilar o que construímos desde a década de 1980, que definiram o espaço brasileiro como um espaço submetido ao projeto de Estado Democrático de Direito, expresso na Carta de 1988. 

O fenômeno com o qual nos defrontamos na atualidade não tem um horizonte, seu ânimo é a própria destruição, a partir do depauperamento e da desagregação do espaço comum. “Estamos diante da mais grave crise, do maior momento de perigo , do ponto de vista da ideia de país, de uma sociedade minimamente integrada”. Trataria-se de uma desfiguração da democracia, com base em Nádia Urbinati, mais do que um projeto autoritário em oposição ao modelo da democracia.

Tão pouco se trata de fascismo, autoritarismo, totalitarismo cuja expectativa é controlar a sociedade, totalizar a experiência nacional,  trazer para dentro do Estado toda a espontaneidade social. Ao contrário, “vivemos pela primeira vez (…) um experimento de expulsão da sociedade do Estado (…) tirar o país do direito público e devolver a uma dimensão natural”.  

Aniquilamento econômico social, político, ambiental, desmonte da administração pública, dos direitos trabalhistas, dos direitos de povos originários, dos direitos de grupos étnico-raciais, das populações lgbtqia+, entre inúmeros outros processos iniciados no governo Temer e recepcionados pelo governo Bolsonaro, promovem a  o extermínio físico e simbólico de nossa sociedade. A forma de enfrentamento da pandemia Covid-19 se soma à lista. 

Apesar dos “confortos conceituais” que buscamos, para Lessa, estamos diante do inaudito cuja superação, para além de uma mudança de governo a partir de processos eleitorais, requer “energias cognitivas e mudanças de nossos hábitos intelectuais” capazes de refundar utopias em busca de alternativas.

 

A Aula Inaugural do IPPUR 2021 está disponível aqui, no Canal Youtube da Agência IPPUR.

 

¹Graduanda do curso de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social.

 

*A imagem de destaque é uma reprodução Piauí.