Resenha de Livro: Circuitos Produtivos Regionais e Estratégias de Desenvolvimento na Argentina do Século XXI

Boletim nº 40 – 21 de dezembro de 2020

 

Resenha de “Circuitos Produtivos Regionais e Estratégias de Desenvolvimento na Argentina do Século XXI”

 

Por Milagros Bordalejo[1] e Ariel García[2]

 

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Esta compilação, organizada por Alejandro Rofman, é resultado da produção realizada pela Linha de Desenvolvimento Regional e Economia Social (DRyES) e foi editada pelo IADE (Instituto Argentino de Desenvolvimento Econômico). As reflexões contidas encontram seu guia em pesquisas financiadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da Argentina. Em particular, refere-se aos projetos PICT 2284/18 “Circuitos produtivos regionais, capacidades estatais e atores sociais na Argentina no início do século XXI”, orientado por Ariel García e PICT 2676/14 “Agentes estatais, camponeses e indígenas na reconfiguração da estabilidade e modos de vida em Jujuy”, orientado por Carlos Cowan Ros, ambos pesquisadores do DRyES, no CEUR-CONICET.

Este trabalho caracteriza-se por ser um desenvolvimento de integração coletiva, que envolve a contribuição de diferentes disciplinas em sua formação. O coletivo torna-se relevante para o grupo que integra o DRyES-CEUR CONICET, uma vez que ele próprio defende a construção conjunta e coletiva de problemas investigativos. É um livro que consolida uma identidade de grupo.

Essa produção coletiva reúne diversas contribuições relacionadas à discussão crítica sobre o dualismo “centro – periferia”. Por essa razão, é um livro baseado nas contribuições do estruturalismo latino-americano e nas abordagens críticas à razão dualista. Nesse sentido, torna-se central o desenvolvimento de um quadro interpretativo que considere as especificidades dos processos produtivos em territórios com estruturas econômico-sociais periféricas. Sob essa perspectiva, García e Rofman (2020) estabeleceram um precedente em artigo recente publicado na Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, definindo circuitos de produção regional. Segundo os autores, os circuitos são “o conjunto de unidades de produção, distribuição e consumo que operam envolvidas a partir de uma atividade comum a todos eles (…) um corte analítico que dá conta de uma área de crescimento do processo de produção global, nucleado em torno de uma atividade-chave. A atividade-chave é aquela em que os agentes capitalistas mais dinâmicos, com capacidade para impor condições tecnoprodutivas que lhes permitem capturar valor gerado por outros agentes do circuito, estão presentes. As atividades que fazem parte do circuito, organizadas como cadeia produtiva, são a condição necessária para o sustento e exercício da dominação (García e Rofman, 2020: 3).

A compilação é organizada em onze capítulos, distribuídos em três seções. Todos eles se concentram em circuitos de produção regionais tradicionais e alternativos, bem como espaços produtivos ligados ao extrativismo. A divisão de capítulos visa ser integral e superar a tradicional divisão analítica em capítulos projetados de forma fragmentada e desconectada.

A primeira parte, intitulada “Rumo a um quadro que torna visíveis as requisições de uma estrutura produtiva periférica”, contém os dois primeiros capítulos.  Nela, as abordagens teóricas – metodológicas atuais são conhecidas para abordar as especificidades apresentadas pelos processos produtivos em territórios com estruturas econômico-sociais periféricas. O regime de acumulação na Argentina também é descrito e analisado no período 2015-2019.

A segunda parte é intitulada “Circuitos Produtivos Regionais” e é composta pelos três capítulos. Foca-se nos circuitos tradicionais de produção regional: laticínios, tabaco e vinificação. Na primeira, uma análise da situação do sistema produtivo é realizada entre 2016 e 2019, considerando os efeitos que ocorrem sobre ele após a crise que eclodiu na década de 1990.  A autora, Inés Liliana García, contempla a exclusão dos pequenos produtores e consequente concentração econômica em médias e grandes empresas. O circuito do tabaco em Misiones, que é abordado por Ariel García, estuda a permanência do regime de acumulação desde 1976 (golpe cívico militar na Argentina). Por fim, o circuito de vinhos é analisado por Alejandro Rofman, que identifica os diferentes segmentos da indústria vinícola argentina: variedades tradicionais e de uvas importadas. Em seu texto, Rofman analisa a queda do apoio estatal, no período 2015-2019 no setor tradicional e o impacto que isso teve nas videiras que o compõem. Deve-se mencionar que a abordagem deste circuito considera os conflitos e críticas decorrentes de tal declínio.

Finalmente, a Parte III “Matérias-Primas e Recursos Naturais” contém capítulos 6 a 11. Os três primeiros capítulos focam em processos produtivos ligados à exploração de recursos naturais e matérias-primas: o circuito da soja na Argentina, por Regina Vidosa; o circuito de mineração de metal na Argentina cuja autora é Lucila Melendi e o circuito de produção de hidrocarbonetos não convencionais em Neuquén, escrito por Marisa Scardino.

Nos últimos 3 capítulos, outros autores estudam circuitos alternativos de produção.  A fibra de vicunha na Puna jujeña é o tema do capítulo de Carlos Cowan Ros, Rita Cartagena e Julio Sardina Aragón.  Além disso, os circuitos de comercialização curtos são analisados por Paula Rosa, María Muro, María Florencia Marcos e Carlos Cowan Ros. Finalmente, a relação entre hidrocarbonetos e cooperativas de trabalho no Complexo Industrial de La Plata é estudada por Nahuel Mamonde.

Em suma, como aponta Carlos Brandão no prefácio deste trabalho coletivo, essa compilação dá elementos para entender que o projeto neoliberal é um processo sempre incompleto, contraditório, respondido e complexo de experimentações sociopolíticas e espaciais. Expressa na forma de um projeto de transformação socioespacial de diferentes mundos (urbano, trabalho, re-regulação etc.). Esse processo é sempre fungível, híbrido, maleável, dependente de trajetória passada e aberta em relação ao futuro, que se desdobra e permeia cada ambiente e território.

O livro nos permite entender que é um processo que ocorre através de uma transformação permanente dos contornos institucionais que estão sendo redesenhados a cada momento conjuntural. Nunca é unidirecional e se adapta a contextos nacionais e regionais específicos, procurando a estabilidade dos regimes de acumulação setorial que permitam sua reprodução no espaço e no tempo.

Numa época em que as forças pró-mercado puderam impor seu projeto de poder no período 2015-2019, um esforço é feito neste livro para analisar a situação de importantes subsistemas produtivos regionais, suas forças produtivas e relações sociais específicas, no contexto da dinâmica da acumulação a nível nacional. O livro procura o diálogo e a abertura para compartilhar uma perspectiva teórica e metodológica sólidas. As abordagens sucessivas procuram uma avaliação de conflitos, disputas, acordos, coalizões e lutas de acordo com os diferentes prismas e perspectivas dos diversos agentes, sujeitos e atores em suas estruturas estratégicas de tomada de decisão.

Por fim, é um trabalho que nos permite vislumbrar o poder emancipador que abriga o Estado latino-americano. Permite pensar o Estado como uma ferramenta, como uma solução e como uma arena de e em disputas.

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[1] Graduada em Trabalho Social (UBA), projeto PICT 2284 do DRyES-CEUR.

[2] Dr. em Geografía (UBA), Diretor do projeto PICT 2284 e Coordenador do DRyES-CEUR.