Sete anos do incêndio no antigo Prédio da Reitoria da UFRJ: causas, consequências e desafios

Boletim nº 74, 31 de outubro de 2023

Contribuíram com a matéria: Mariana Guimarães de Carvalho e Lidiane da Silva Duarte

Na noite de 3 de outubro de 2016, o edifício Jorge Machado Moreira, antes conhecido como “Prédio da Reitoria”, sofreu um incêndio iniciado no oitavo andar, onde estavam sediadas atividades da administração central da universidade. Não houve feridos, pois não havia atividades ocorrendo no momento, porém os cursos sediados no edifício, a reitoria e as pró-reitorias tiveram as atividades suspensas e realocadas. O JMM abriga os cursos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da Escola de Belas Artes (EBA) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), além do museu D. João VI.

Segundo o engenheiro Paulo Mario Ripper, prefeito da Cidade Universitária na época, o incêndio não teria relação com o estado da estrutura do prédio, mas sim com um pico de energia de voltagem muito alta, logo após um apagão ter acometido todo o campus. As vistorias realizadas não foram capazes de apontar exatamente a causa do início do incêndio, em função da destruição do local. Foi possível, porém, indicar o local de início, entre as salas 827 e 829, e descartar a ocorrência de “explosões difusas, combustão espontânea de materiais e fenômenos naturais” e considerar a ocorrência de um “fenômeno termoelétrico” na fiação.

O incêndio atingiu diretamente as atividades administrativas que eram sediadas no oitavo andar e também comprometeu tanto a estrutura do edifício como as instalações de energia, abastecimento de água, saneamento e ainda prejudicou a realização de uma obra de recuperação da cobertura da biblioteca. Somado a isso, há a situação de má conservação do imóvel, que durante as seis décadas de existência e diversas adaptações de uso, recebeu pouca manutenção. Relatórios realizados pelo próprio corpo docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, em 2011 e 2015, já alertavam para as más condições da estrutura e necessidade de reparos importantes.

Enquanto isso, 2015 foi o ano em que o Conselho Universitário havia se manifestado sobre a inviabilidade de manter plenamente as atividades diante dos cortes de verbas instaurados pelo governo federal. A universidade já se encontrava em déficit orçamentário e o Projeto de Lei Orçamentária Anual do ano de 2016 contava com um plano ainda maior de contingenciamento.

Em nota do Gabinete do Reitor, publicado no portal Conexão UFRJ, o edifício foi interditado para que se realizassem as perícias pelo Corpo de Bombeiros, pela Defesa Civil e pela Polícia Federal. As PRs 4, 5 e 6 (Pessoal, Extensão e Gestão e Governança) foram diretamente atingidas, com grandes perdas de arquivos e documentos. Uma comissão de professores da FAU e do CT verificou as condições estruturais do edifício, estabelecendo que seria possível utilizar os dois primeiros andares imediatamente. O uso do terceiro ao sexto andar dependeria de obras de reforço estrutural, das instalações de águas e energia e de adequação às normas de segurança contra incêndio e pânico, das quais o edifício não dispõe completamente até hoje. Para isso, os recursos necessários haviam sido solicitados ao MEC, e caso fossem liberados prontamente, a previsão de reocupação parcial seria para dali cerca de um ano. A recuperação do sétimo e oitavo andares seria mais complexa e demandaria mais tempo.

O Edifício Jorge Machado Moreira é formado por três volumes que se interceptam, sendo o bloco principal o mais alto, com oito andares, mais o pavimento técnico na cobertura, enquanto os outros blocos possuem apenas dois pavimentos. O prédio, inaugurado no início da década de 1960, foi inicialmente projetado para abrigar apenas a então Faculdade Nacional de Arquitetura (Hoje, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU) e possui, em seu bloco mais alto, salas projetadas para aulas teóricas e ateliês, e nos outros blocos, um espaço para biblioteca, salas voltadas para laboratórios, oficinas e salas de administração. Na década de 1970, passou a receber novos usos, com a chegada da Reitoria, do Centro de Letras e Artes (CLA) e a Escola de Belas Artes (EBA). Por fim, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) passou a ocupar também o imóvel, na década de 1980.

Foto: Placa de informação da organização do JMM antes do incêndio – Mariana Guimarães

O Professor Daniel Conceição, que na ocasião do incêndio era coordenador do curso de GPDES falou um pouco sobre como o curso funcionava antes do incêndio e quais foram os impactos sofridos. De acordo com o professor, em entrevista à equipe do Agência IPPUR, antes do incidente, o IPPUR concentrava todas as suas salas de aula e administração no quinto andar do JMM e no aulário modular (container) localizado no térreo, destinado totalmente ao GPDES. A organização foi possível após anos de negociação com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, que ocupava 5 andares do prédio e contava com salas de aula e de estudos razoavelmente equipadas, com aparelhos de ar condicionado e computadores, espaços de convivência e um auditório confortável e moderno que possibilitava a realização de palestras e debates frequentes. Dessa forma, alunos e professores do instituto podiam se encontrar e trocar constantemente.

Segundo o professor, logo após o incêndio constituiu-se um grupo de trabalho com representantes das unidades, do qual ele mesmo participou, enquanto coordenador do GPDES, juntamente com o diretor do Instituto, Pedro Novais. As atividades da FAU e da EBA voltaram a ocupar o edifício em novembro de 2016, com aulas provisórias nos espaços coletivos do térreo e do mezanino, no segundo andar. Contudo, as atividades regulares de todas as unidades além das administrativas, que foram alocadas em outros espaços pela Cidade Universitária, permaneceram suspensas. Posteriormente, a comunidade acadêmica montou um Gabinete de Crise para sistematizar e disponibilizar as informações, laudos, atas e notícias sobre o processo prós incêndio (https://ufrj.br/a-ufrj/infraestrutura/eplam-jmm/).

Diante da dificuldade do grupo de trabalho em realocar todas as atividades necessárias, os professores do IPPUR contataram diretamente representantes de outras unidades. Assim, a estrutura administrativa ocupou a Sala João do Rio, na Faculdade de Letras, que também passou a abrigar turmas menores, de pós-graduação e períodos finais do GPDES. As turmas dos períodos iniciais da graduação, com mais de 50 estudantes, foram alojadas em salas do CCMN. Segundo o professor, todo esse processo de alocação foi rápido e relativamente simples, o que permitiu que as aulas voltassem rapidamente. Por outro lado, nem todas as atividades tiveram espaços cedidos, como foi exposto na nota do IPPUR à UFRJ sobre os 7 anos do incêndio: apenas 3 dos 19 laboratórios e grupos de pesquisa foram alojados, o que deixou as atividades de pesquisa e orientação dependentes do agendamento e da disponibilidade de salas pelo campus. 

Em março de 2017, foi possível o retorno à utilização do terceiro e quarto andares do edifício, e então as aulas da FAU passaram a ocorrer integralmente no prédio, enquanto a EBA e o IPPUR permaneceram fragmentados nos espaços de outros cursos. Em março de 2023, a reforma do prédio avançou, e sete dos oito andares tornaram-se passíveis de ocupação novamente. Com isso, a pós-graduação do IPPUR iniciou um movimento de retorno ao  quinto andar do JMM e passou a utilizar as salas de aula para os cursos de Especialização, Mestrado e Doutorado. Mas ainda é necessária a finalização dos serviços de adequação elétrica das demais salas que antes abrigavam a administração, a copa e os laboratórios, grupos de pesquisa e gabinetes dos professores, além de aquisição de equipamentos, sem previsão de conclusão e também sem os recursos necessários. 

Desse modo, o IPPUR encontra-se há 7 anos sem espaço para que possa desenvolver plenamente suas atividades acadêmicas e segue instalado no que deveria ser uma organização temporária. Na última avaliação da Capes, a nota 6 do programa de pós-graduação,  mantida desde 2004, caiu para 5, como um reflexo das perdas na infra-estrutura para a realização das atividades. 

Segundo o atual Diretor do IPPUR, professor Fabrício Leal de Oliveira, “com muita criatividade e esforço coletivo vamos enfrentando e vencendo as dificuldades, e nossa pós-graduação em planejamento urbano e regional, uma das importantes do país, mantém–se como referência nacional e internacional na área dos estudos urbanos e regionais”. O professor relatou que o instituto ainda aguarda o andamento dos processos de adequação elétrica das salas de professores, da copa e da administração. Apesar do compromisso de apoio da reitoria, não há garantia ainda de todos recursos necessários para a realização integral do serviço, tampouco previsão de prazo para sua total implementação. Uma reunião realizada neste mês de outubro com o Escritório Técnico da Universidade – ainda segundo o diretor – reforçou a esperança de que ao menos parte das instalações recebam as intervenções necessárias para sua plena utilização ainda em 2023. 

Vale acrescentar que o espaço original do IPPUR no JMM, ainda que possa voltar a ser ocupado integralmente, não atende às demandas do instituto que há mais de dez anos abriga o curso de graduação em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (GPDES). Em 2010, no âmbito do REUNI, com a criação do GPDES, houve a promessa e expectativa de  uma maior e melhor estrutura que serviria de sede ao novo curso, a partir da construção do  Complexo Acadêmico CCJE-CFCH, ao lado da Faculdade de Letras. No entanto, a obra não foi finalizada por falta de verbas e, por conta do atual estado em que se encontra, hoje a estrutura é conhecida como “paliteiro”.

No último dia 9 de outubro, professores/as, estudantes e servidores/as do IPPUR realizaram um ato no hall do edifício JMM para lembrar os 7 anos do incêndio e as demandas acumuladas nesse período. O ato foi precedido da divulgação de uma Nota em que o corpo social do Instituto manifesta seu agradecimento a todas as unidades que têm apoiado a manutenção de suas atividades e reforça a importância do compromisso da UFRJ com a plena recuperação do prédio JMM e a construção da sede do GPDES como prioridades da gestão diante da situação emergencial em que se encontra o IPPUR. 

Foto: Ato do IPPUR sobre os 7 anos de incêndio do JMM, de 9 de outubro de 2023. Agência IPPUR.

Diante dos fatos expostos acima, podemos concluir que a garantia de um espaço próprio e de uma estrutura adequada é um aspecto fundamental para que o Instituto realize a vocação da universidade pública, como afirmou na entrevista o Professor Daniel: “Um instituto como o IPPUR precisa de muito mais do que salas de aula e um espaço improvisado para sua estrutura administrativa para funcionar bem. Nossa comunidade precisa de um espaço para chamar de seu, onde possa voltar a conviver para construir saberes de maneira coletiva. Isso tudo permanecerá perdido enquanto estivermos como nômades”. 

A comunidade ippuriana está mobilizada para que esse cenário mude, como afirmou o professor Fabrício Leal de Oliveira, diretor do IPPUR: “Todo o nosso corpo social – docentes, discentes, técnicos administrativos – está comprometido com a luta pela reocupação da nossa sede no JMM e por um espaço próprio para o GPDES. No início do ano demos o primeiro passo, com a volta das aulas da pós-graduação para o JMM, mas ainda há muitos desafios pela frente. Conhecemos as restrições orçamentárias e o passivo enorme deixado pelo descaso dos governos anteriores com a educação neste país, Mas, como falamos na nossa nota sobre os 7 anos do incêndio, é preciso rever prioridades de modo a atender situações emergenciais como a nossa. Enfim, seguimos lutando para reocupar plenamente nossa sede e garantir um espaço adequado para o GPDES”.

 

Fontes 

SILVOSO. Marcos, Martinez; VARELLA, Wendell Diniz. Patologias do Edifício Jorge Machado Moreira – FAU/Reitoria da UFRJ. In: 6ª Conferência sobre Patologia e Reabilitação de Edifícios, 2018, Rio de Janeiro. Disponível em https://www.nppg.org.br/patorreb/files/artigos/80654.pdf Acesso em 22/10/2023

COSTA, Samara Ferreira; NOVAK, Ana Carolina Alves; GRABOIS, THIAGO MELO; SILVOSO, Marcos Martinez; VARELA, Wendell Diniz. Evolução dos Sintomas Patológicos no Edifício Jorge Machado Moreira. In: V Congresso Internacional na “Recuperação, Manutenção e Restauração de Edifícios”, 2020, Rio de Janeiro. Disponível em https://www.nppg.org.br/cirmare2020/wp-content/uploads/1.Artigos/393.pdf Acesso em 22/10/2023

CBMERJ. Laudo Pericial de Exame de Local de Incêndio. Niterói, RJ. 2016. Disponível em https://conexao.ufrj.br/wp-content/uploads/documentos/2016/11/laudocbmerj-reitoria_v2.compressed.pdf Acesso em 22/10/2023

SOUZA, Jean. Laudo aponta alteração termoelétrica como causa de incêndio na UFRJ: Bombeiros concluíram investigação no início da semana. Conexão UFRJ, Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2016. Memória. Disponível em https://conexao.ufrj.br/2016/11/laudo-aponta-alteracao-termoeletrica-como-causa-de-incendio-na-ufrj/ Acesso em 22/10/2023

IPPUR. Nota do IPPUR à UFRJ – 7 anos do incêndio no edifício Jorge Machado Moreira (JMM). Notícias. Rio de Janeiro, 3 de outubro de de 2023. Disponível em https://ippur.ufrj.br/nota-do-ippur-a-ufrj-7-anos-do-incendio-no-edificio-jorge-machado-moreira-jmm/ Acesso 22/10/2023

ASSESSORIA DE IMPRENSA DO GABINETE DO REITOR. Volta às aulas na FAU e EBA é adiada para 9/11: Comissão decidiu adiar aulas para garantir proteção contra chuvas. Conexão UFRJ, Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2016. Memória. Disponível em https://conexao.ufrj.br/2016/11/volta-as-aulas-na-fau-e-eba-e-adiada-para-9-11/?_ga=2.206150811.987245343.1698219487-1528426734.1697430750&_gl=1%2Aj6fyxi%2A_ga%2AMTUyODQyNjczNC4xNjk3NDMwNzUw%2A_ga_H2H4GJ33GC%2AMTY5ODIyNDg4NC4zLjAuMTY5ODIyNDg4NC4wLjAuMA..%2A_ga_S9CWPVF04S%2AMTY5ODIyNDg4NC4zLjAuMTY5ODIyNDg4NC4wLjAuMA Acesso em 22/10/2023

G1 RIO. Incêndio atinge prédio da reitoria da UFRJ: Equipes do Corpo de Bombeiros foram encaminhadas para local. G1, Rio de Janeiro, 3 de outubro de 2016. Disponível em https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/10/incendio-atinge-predio-da-reitoria-da-ufrj.html 

SOUZA, Jean. Nota sobre incêndio no 8º andar do prédio da Reitoria: Confira nota da Reitoria, publicada na manhã desta terça, 04/10. Conexão UFRJ, Rio de Janeiro, 4 de outubro de 2016. Memória. Disponível em https://conexao.ufrj.br/2016/10/nota-sobre-incendio-no-8o-andar-do-predio-da-reitoria/ Acesso em 22/10/2023

MATTOS, Gabriela. Incêndio em prédio da UFRJ causa prejuízo de R$ 22 milhões: Previsão é que as aulas da Escola de Belas Artes e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo voltem na próxima segunda-feira. Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2016. Disponível em https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2016-10-17/incendio-em-predio-da-ufrj-causa-prejuizo-de-r-22-milhoes.html Acesso em 22/10/2023

EPLAM-JMM: Escritório de Planejamento e Manutenção do Edifício Jorge Machado Moreira. Disponível em https://ufrj.br/a-ufrj/infraestrutura/eplam-jmm/ Acesso em 25/10/2023

ASSESSORIA DE IMPRENSA DO GABINETE DO REITOR. Reitoria divulga ações para o edifício JMM: Reunião aconteceu na terça-feira, 14/03, com a comunidade acadêmica do prédio. Conexão UFRJ, Rio de Janeiro, 15 de março de 2017. Memória. Disponível em https://conexao.ufrj.br/2017/03/reitoria-divulga-acoes-para-o-edificio-jmm/  Acesso em 25/10/2023

FAINI, Iana. Nota sobre vistoria no edifício JMM: Vistoria nesta sexta-feira (17/3) verificou que as instalações elétricas e hidráulicas estão em estado adequado para uso. Conexão UFRJ, Rio de Janeiro, 17 de março de 2017. Memória. Disponível em https://conexao.ufrj.br/2017/03/nota-sobre-vistoria-no-edificio-jmm/?_ga=2.210140189.987245343.1698219487-1528426734.1697430750&_gl=1%2Aml17xc%2A_ga%2AMTUyODQyNjczNC4xNjk3NDMwNzUw%2A_ga_H2H4GJ33GC%2AMTY5ODIyMTk5MS4yLjEuMTY5ODIyMjI3Mi4wLjAuMA..%2A_ga_S9CWPVF04S%2AMTY5ODIyMTk5Mi4yLjEuMTY5ODIyMjI3Mi4wLjAuMA Acesso em 25/10/2023