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Uma vida sem trégua — Ángela Ramos¹

Publicado em 11/11/2025

CATEGORIAS: Boletim IPPUR

Boletim nº 91, 11 de novembro de 2025.

 

Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PPG-PUR).

E-mail: g_lumi@poli.ufrj.br.

 

Ángela Ramos e Jose Mariátegui. Fonte: Acervo do autor.

Ángela Ramos nasceu no dia 6 de junho de 1896 em Callao, a cidade que possui o porto mais importante do Peru desde o início de sua existência. Durante a conquista, foi declarado o primeiro porto do Vice-Reino devido à sua capacidade de receber navios de maior calado e, também, por abastecer a capital do Vice-Reino, a cidade de Lima.

Foi neste contexto que Callao se desenvolveu até ao início do século XX e é nesta oportunidade que nos referimos a 1919, a data em que se daria o início a essa vida sem tréguas para Ángela Ramos.

Pertencente a uma família de classe média, partilhou a sua infância com suas irmãs, Gabriela e Rebeca, e seus dois irmãos mais novos, Carlos e Luís, todos eles filhos de Panchito e “RR de R”, apelido de Rosa Relayze de Ramos.

Como era comum na época, as meninas só frequentavam a escola primária. Era o destino de vida das mulheres no Peru, portanto, tornarem-se senhoras de família preparadas para as tarefas do lar na formação familiar.

Já naquela tenra idade, Ángela Ramos dava sinais do seu desejo de romper com esses cânones, de não se estagnar nos conhecimentos primários aos quais tinha sido destinada, e, por isso, comunicou ao pai o seu desejo de se tornar professora.

As limitações econômicas da família e as duras restrições que uma mulher tinha na sociedade para alcançar uma profissão superior e depois conseguir exercê-la se tornaram desafios e metas difíceis de alcançar.

Ângela persistiu na sua vocação e, a partir desse momento, assumiu a necessidade de ser autodidata. O seu imenso amor pela leitura cresceu e ela pôde apreciar o quão imensamente libertador era o conhecimento e a leitura.

Quatro linhas de ação marcariam a sua vida: o despertar pela justiça que a levaria ao caminho de uma lutadora comunista; o profundo amor pela pedagogia que, como mestra autodidata, a forjou, levando-a mais tarde aos caminhos da poesia e dramaturgia; depois, a sua máquina de escrever Remington, a qual usou como arma de luta e com ela cultivou o jornalismo; e, por fim, o caminho incansável da defesa das causas nobres e justas da vida, entre elas, a luta feminina, porque se autodenominava como feminina, para lançar as bases da inclusão da mulher em todo o espectro social e humano da época.

Mesmo antes de o pai ter sido demitido da Pacific Steam Navigation Company, empresa inglesa de grande poder econômico, Ângela entrou para a docência, pois queria estudar para se desenvolver como professora, mas as limitações econômicas, a segregação e a discriminação contra o sexo feminino impediram a sua formação superior². No entanto, isso não a impediu de ser autodidata e conseguiu trabalhar como professora numa escola pública do porto. Enquanto trabalhava como docente, soube do despedimento arbitrário do seu pai, poucos dias antes de se aposentar, perdendo os seus direitos laborais e não recebendo qualquer direito que tinha – nenhum pagamento ou indenização pelo seu tempo de trabalho na empresa.

Nesse ato injusto e arbitrário que enfrentou, juntaram-se duas componentes: o pai sem trabalho e sem rendimento econômico e uma afronta moral impiedosa e muito destrutiva, que acabou por levá-lo à sepultura.

Perante esses acontecimentos e esgotadas todas as vias de reclamação, incluindo as queixas às autoridades laborais, Ángela, amiga da filha do General Cáceres, levou uma carta de protesto aos meios de comunicação, tendo sido recebida pelo diretor e proprietário do jornal El Comercio (RACSO), que apreciou ter diante de si uma futura jornalista ao ler a sua magnífica prosa e capacidade informativa de suas problemáticas.

Naquela carta, fazia duas denúncias e abordava dois temas: um era a injustiça cometida contra o seu pai e o outro era o sofrimento da mulher que trabalhava, refletindo sobre a exploração do trabalho não remunerado e o tratamento discriminatório em relação às mulheres.

Foi assim que se deram seus primeiros passos como jornalista, no jornal El Comercio, onde abordou vários temas da atualidade, sendo os mais relevantes aqueles relacionados com o sufrágio feminino, que se concretizou no Peru no ano de 1956. Além disso, escreveu sobre a necessidade de justiça entre homens e mulheres e promoveu a questão da “igualdade de trabalhos, igualdade de salários”, desenvolvendo uma forte campanha contra a lei, abrangendo a marginalidade da época e lutando contra a discriminação das mulheres no acesso ao ensino superior.

Naquela época, José Carlos Mariátegui, grande leitor, acompanhou de perto os trabalhos jornalísticos de Ángela e chamou-a para colaborar na revista Amauta, que ele dirigia. Assim, os dois estabeleceram uma relação muito próxima.

Mais tarde, ele a integrou ao Comitê Central do Partido Socialista, fundado no

ano de 1928, que posteriormente se tornou o Partido Comunista do Peru, constituído no ano de 1930, confiando-lhe o secretariado do Socorro Rojo Internacional (SRI) e a organização das mulheres no partido. Ramos continuou colaborando na Amauta e também se envolveu em outros meios de comunicação, como a revista Variedades, os jornais La Prensa, La República, La Noche e outros meios. Neles, escreveu campanhas muito sustentadas sobre direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a liberdade de associação das mulheres. Nesse momento, os seus companheiros de jornalismo deram-lhe a alcunha de “Angeloba” e de “Angelucha”, pelos seus trabalhos empenhados em causas muito nobres e justas.

A sua evolução como militante do partido comunista não limitou em nada sua dedicação ao jornalismo da época, de forma que seus escritos se tornaram uma corrente de opinião e de mudança social, fazendo incursões na esfera das entrevistas, sobretudo no campo da arte e da cultura em geral.

Com a morte prematura de José Carlos Mariátegui, iniciou-se um período muito polêmico no seio do nascente Partido Comunista. Sua ausência possibilitou uma luta interna muito profunda pela hegemonia no partido, a tal ponto que os fundadores e Ángela se retiraram do partido em 1936, uma vez que o confronto com Eudocio Ravines, em particular, era insuperável.

Eudocio Ravines foi eleito secretário-geral do Partido Comunista do Peru, tendo-se descoberto mais tarde que tinha sido agente da Central Intelligence Agency (CIA) dos Estados Unidos, tornando-se assim, juntamente com Felipillo, um dos mais famosos traidores da história peruana. Felipillo teve a ousadia de entregar o Inca Atahualpa na conquista do Peru aos espanhóis comandados pelo seu conquistador, Francisco Pizarro.

A sua militância política não a impediu de continuar a colaborar em diversos meios de comunicação escrita, aventurando-se pela primeira vez como entrevistadora em assuntos basicamente relacionados à arte, o que lhe permitiu não só conhecer os mais destacados representantes da poesia, da literatura, do romance, do teatro e de todas as artes em geral na sociedade peruana, mas também conhecer todos os expoentes máximos que pisaram no solo peruano, o que lhe possibilitou desenvolver um amplo e profundo conhecimento da cultura global da época.

Assim temos, por um lado, a sua militância política, primeiro próxima do grande José Carlos Mariátegui e logo na direção do Partido Comunista, e, por outro lado, desenvolvendo plenamente sua grande capacidade de jornalista e entrevistadora.

Posteriormente, em 1941, ingressou no Congresso da República, na Câmara dos Deputados, e foi encarregada de dirigir a biblioteca dessa instituição. A tarefa de reconstrução da biblioteca da Câmara se deu, sem dúvida, aos seus esforços para dar forma e recuperar todo o material e documentação existentes antes da guerra com o Chile — conhecida como Guerra do Pacífico (1879-1883) —, que foi depredada nos anos posteriores durante a ocupação chilena.

Essa tarefa foi também levada a cabo pelos seus antecessores. Não esqueçamos que, nessa época, a profissão de bibliotecário não existia no Peru, o que exigia um grande esforço de criatividade e empenho. Foi no Congresso da República que se aposentou anos mais tarde, quando a legislação sobre o assunto indicava que a idade para a aposentadoria era de 75 anos.

A partir de 1936, ano em que se demitiu do Comitê Central do Partido Comunista do Peru, e até sua entrada na Câmara dos Deputados, em 1941, alargou os seus horizontes e dedicou-se à poesia e depois à dramaturgia.

Durante esse período, produziu seus melhores e mais empenhados poemas, cujo teor se prende fundamentalmente às questões da atualidade política nacional e internacional, à luta contra o fascismo, à luta pelo sufrágio feminino e pela igualdade de gênero, que designa como uma luta feminina e não feminista, seguindo os ensinamentos da revista Amauta.

Nesse período, após sua militância política, dedicou-se à sua criação mais nobre, que foi a poesia e o ensaio, e também a produzir seus melhores artigos nos diversos meios de comunicação. Durante esse tempo, também ocupou cargos importantes da Asociación Nacional de Escritores y Artistas (ANEA), fundou a casa de Amauta, organizou o primeiro sindicato de jornalistas do Peru, fundou a primeira Asociación del Libro Peruano e produziu inúmeros artigos sobre o sufrágio feminino.

O seu labor proselitista das ideias avançadas e revolucionárias, dos desejos mais profundos dos despossuídos e questionadora da realidade imperante a levou a produzir inúmeros escritos e artigos de imprensa que, aos olhos de todos, foram uma pena rebelde e empenhada nessas causas. Essas nobres causas nos permitem afirmar aquilo a que ela própria denominou de “uma vida sem trégua” quando tinha de se referir a si própria. Nas vezes em que padeceu encarcerada pelos seus ideais, tomou-as como parte dessa luta incansável por ideias justas. Uma vez disse que esse é o preço de ser socialista.

Na política, ela foi grande e esteve entre os grandes da época, ousou abraçar ideais emancipatórios e semeou uma semente que as gerações atuais reconhecem — foi a primeira mulher comunista do Peru.

Como jornalista, foi a primeira mulher a desempenhar essa nobre profissão, foi a primeira repórter e entrevistadora, e empenhou-se em causas de profunda linhagem popular.

Sem desdramatizar suas convicções femininas, lutou pela igualdade de direitos das mulheres em relação aos homens e nunca deixou de se indignar com a profunda tristeza da dor de uma mulher que trabalha tão duramente, sendo superexplorada, ou até trabalhando mais do que um homem e ainda com a terrível discriminação da qual elas são alvo.

Nos últimos anos da sua vida na política e no jornalismo, dedicou-se a criticar e a desvendar como os títulos e as manchetes dos jornais alteravam a verdade; dedicou-se com imensa prolixidade a criticar os títulos ou manchetes das várias notícias, fazendo a sua crítica a esses enunciados em pouquíssimas palavras, de todos os jornais de circulação e de “opinião” que existiam, que, sutilmente ou não, devassavam a alma dos leitores, fazendo-os ver como verdadeiras notícias totalmente falsas. Algumas vezes, fazia troça, outras vezes era muito cáustica e, por que não, também encontrava as mensagens sórdidas da imprensa, sobretudo da imprensa amarela.

Ela costumava dizer, em relação a esse trabalho cotidiano: “[…] aqui está a alma dos proprietários dos meios jornalísticos, que os assalariados sejam eles ou não, devem e têm que difundir, […] eles os proprietários, estes se escondem atrás de seus assalariados, estes últimos bradam sostendo o contrário […] são inteiramente livres de se submeterem a eles”³.

Ângela morreu no dia 25 de julho de 1988. Quando uma vida não tem trégua, é porque não houve descanso nem alívio para refletir sobre aspectos supérfluos – ainda mais se a palavra nunca se divorciou da prática. Isto é, Angeloba/Angelucha.

 

1  Esta homenagem foi escrita por Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola (bisneto) e Luis Ernesto Gomez Cornejo Rotalde (neto) publicada na Revista Reoriente: estudos sobre marxismo, dependência e sistemas-mundo, no dia 27-02-2025, na edição Feminismos no Século XXI. DOI: https://doi.org/10.54833/issn2764-104X.v4i12p143-147

2  Vale a pena mencionar que, após a guerra com o Chile, o capital inglês se reafirmou no Peru e tornou-se ainda mais importante, de modo que a empresa foi indiscutivelmente uma das companhias estrangeiras com maior presença

3 Citação de história oral proveniente de memória familiar.

 

Referências

RAMOS, Ángela. Una vida sin tregua. Tomo I. Peru: Minerva, 1990. RAMOS, Ángela. Una vida sin tregua. Tomo II. Pe

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