A Desconstrução da Democracia Social e da Cidadania Urbana no Brasil

Boletim nº 12 – 17 de março de 2020

 

O Boletim IPPUR convida a todos para a leitura do artigo A Desconstrução da Democracia Social e da Cidadania Urbana no Brasil, de Sônia Fleury e Carlos Eduardo Santos Pinto.

Diante dos retrocessos nos direitos de cidadania, na institucionalidade democrática e na cultura política a que o Brasil sofre, desde o impedimento da Presidente Dilma Rousseff, em 2016, intensificados pela eleição de um governo liberal e conservador e avesso aos direitos humanos, trabalhistas e sociais, Sônia Fleury e Carlos Eduardo Santos Pinho nos convidam à reflexão sobre a trajetória da construção democrática no Brasil, a partir do último quarto do século XX, e os fatores políticos e econômicos que podem ter contribuído seu colapso no período recente.

Para além do entendimento de democracia como um regime eleitoral, os autores a compreendem  “como a construção de uma esfera pública plural e inclusiva, fundada em uma cultura política igualitária sob a primazia da justiça, princípio que organiza as relações entre o poder público, a economia e as interações sociais”. Tendo o Estado de direito o papel de assegurar a liberdade para divergir, a exigibilidade dos direitos e a participação dos cidadãos, enfatizam o caráter da democracia enquanto um regime aberto à inclusão de novos direitos, à transformação das normas culturais e comportamentais e à expansão da cobertura e reconhecimento de insurgências.

A partir do conceito de cidadania como eixo teórico central, os autores argumentam que apesar de seu status não ter sido universalmente distribuído em qualquer sociedade, “sua postulação tem importantes consequências nas lutas sociais que reclamam a igualdade e os direitos e que se refletem nas várias dimensões que compõem a cidadania, tais como a cívica, igualitária, jurídica institucional e histórica”. As mudanças na contemporaneidade, que levam a tensões em cada uma dessas dimensões, requerem permanente transformação da natureza e conteúdo da cidadania em direção a novos patamares civilizatórios. Como consequência, a igualdade enquanto base da construção política do status de cidadãos deve ser somada ao reconhecimento da diversidade, o que nos leva a tratar a igualdade de maneira complexa, “incluindo o sistema de cotas para cidadanias diferenciadas“.

“A construção histórica de uma pauta de direitos da cidadania em termos de direitos civis, políticos e sociais tem sido acrescida com a inclusão dos direitos difusos e a crescente demanda por participação social na gestão pública. A institucionalidade estatal que concretizou a provisão de serviços necessários à garantia dos direitos foi parte essencial da transformação do Estado restringido e coercitivo no Estado social ampliado. Portanto, a cidadania é parte intrínseca da construção dos Estados nacionais, sendo os direitos assegurados à população sob a égide do poder político que legitimamente se exerce sobre o território em cada nação” (Fleury e Pinto, 2019, p.7 ).

Quanto aos campos do Planejamento Urbano e Regional e da Gestão Pública, Fleury e Pinto chamam a atenção para o fato de a ideia de cidadania ainda estar muito vinculada à escala nacional, cabendo ao Estado nacional conferir direitos de cidadania em seus territórios. Nesse sentido, apesar de a noção de cidadania fazer parte da construção do Estado Moderno, concomitantemente aos processos de industrialização e urbanização, apenas recentemente houve a convergência entre os estudos de cidadania, da democracia e os estudos urbanos, o que levou ao conceito de cidadania urbana. Como consequência, “a teoria da cidadania que até então privilegiara a dimensão territorial nacional passa a tomar os governos locais como ponto preferencial para a exigência dos direitos, aprimoramento da gestão pública e da consciência dos cidadãos” (p.8).

Sobre os recentes acontecimentos no Brasil, os autores alertam que “a privatização, a financeirização dos serviços públicos urbanos essenciais, sobretudo aqueles que constituem o acesso à cidadania urbana; assim como o fortalecimento da retórica da austeridade fiscal e o desmonte das políticas públicas estão fundamentalmente vinculados à desproteção social aos mais vulneráveis. Trata-se de um novo padrão de regulação dos trabalhadores que está implantando. Para tanto, foi necessário dissociar eleições de democracia, de tal forma que um governo autoritário legitimado eleitoralmente seja capaz de aprofundar a disjunção entre capitalismo e democracia, que brevemente foi  ensaiada no Brasil” (p.25).

O recrudescimento do autoritarismo se enuncia como saída para conter o clima de insatisfação e tensão que tende a aumentar com a perda de direitos sociais, precarização, desemprego, violência urbana, vulnerabilidade econômica, política, social e ambiental, o que nos leva a questionar: seremos capazes de reagir e refundar a cidadania urbana, de modo a impedir a concretização do que emerge como um modelo de Warfare State?

Essas e outras questões  suscitam reflexões e evidenciam os desafios a serem enfrentados para a consolidação dos direitos de cidadania no Brasil, sobretudo em contexto de corte de gastos sociais, ofensiva contra a ciência, perda de direitos trabalhistas e previdenciários, entre outros retrocessos a que a sociedade brasileira vem sendo submetida.

Boa Leitura!

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