Encontros e diálogos sobre pesquisa e extensão na 29ª Semana IPPUR e na 13ª Semana de Integração Acadêmica da UFRJ
Boletim nº 84, 10 de dezembro de 2024
Mariana Guimarães
Estudante de Arquitetura e Urbanismo e extensionista bolsista da Agência IPPUR
Nos meses de outubro e novembro, aconteceram respectivamente a XXIX Semana IPPUR e a 13ª Semana de Integração Acadêmica (SIAC) da UFRJ, dois importantes momentos de encontros e diálogos entre projetos e agentes relacionados às comunidades do IPPUR e da UFRJ. A Agência IPPUR esteve presente em ambos os eventos e traz aqui alguns relatos de participações.
A XXIX Semana IPPUR ocorreu entre 7 e 11 de outubro, celebrando 29 anos de edições anuais ininterruptas de contribuições acadêmicas fortemente entrelaçadas com demandas sociais e de partilhas também afetivas para a comunidade ippuriana. Esta edição se voltou a discutir o planejamento urbano e regional e a gestão pública no contexto do capitalismo de desastres somado às questões estruturais já conhecidas na realidade das cidades brasileiras.¹
A programação do evento incluiu (i) Mesas redondas com convidados externos, que debateram temas relacionados ao contexto do capitalismo de desastres sob diferentes perspectivas; (ii) Sessões especiais de Gestão Pública, que abordaram mais especificamente questões pertinentes ao Campo de Públicas e à formação de gestores ; (iii) Sessões temáticas e livres, nas quais foram apresentados trabalhos agrupados em 11 eixos temáticos, bem como foram promovidas atividades pelos laboratórios e projetos de pesquisa e extensão do IPPUR. Também houve espaços para lançamentos de livros, exposição de vídeos, fotografias e pôsteres.
Estive presente em três mesas redondas da Semana IPPUR. A primeira, intitulada A Tragédia Climática do Rio Grande do Sul: suas determinantes e a reconstrução, coordenada pela professora Claudia Paiva e com a participação de Lucas Konzen, Victor Marchezini e Rualdo Menegat, discutiu os acontecimentos no Rio Grande do Sul para pensar os conceitos, as temporalidades e os efeitos do capitalismo de desastres na dimensão social, econômica e política, bem como os caminhos necessários a uma reversão de rumos.
A partir da exposição do professor Konzen, que trouxe aspectos relevantes da geografia hídrica do Rio Grande do Sul e o histórico do processo de desmonte do sistema de proteção contra cheias, Marchezini abordou o tema dos desastres socioambientais enquanto consequências da forma de ocupação do espaço, e finalmente, o professor Menegat tratou da configuração climática da Terra e dos impactos dos processos humanos sobre ela.
A mesa Reprimarização e Extrativismo: As Forças do Capitalismo de Desastres, discutiu de maneira mais ampla a relação entre o capitalismo e a lógica de produção de desastres no Brasil, considerando o contexto de periferia em relação ao sistema econômico mundial e suas diversidades internas. A mesa contou com Alexandre Michelotti, Paula Alexandra Nazareth e Henri Acselrad, com mediação da professora Hipólita Siqueira.
Paula Nazareth tratou dos impactos da dependência financeira dos royalties nos orçamentos dos municípios produtores de petróleo e o aprofundamento de desigualdades. Alexandre Michelotti abordou o tema dos desastres socialmente produzidos pelo agro na Amazônia e o processo de acumulação de capital pelos grupos hegemônicos. Por sua vez, Henri explorou o conceito de neoextrativismo no capitalismo neoliberal, observando as relações de inserção no mundo globalizado.
A mesa de encerramento do evento, intitulada Os movimentos sociais falam sobre o capitalismo de desastres e como são afetados por ele, contou com Maurício Sarmento, coordenador adjunto do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) de Maceió, e Thiago Alves da Silva, representante do Movimento de Atingidos por Barragem de Minas Gerais (MAB MG). É importante constar que, de forma muito simbólica, Cássio Araújo, liderança do MUVB de Maceió inicialmente convidado, não conseguiu estar presente porque sua casa havia acabado de sofrer um incêndio criminoso, relacionado à sua atuação de luta.
As falas denunciaram a tendência à privatização das políticas de reparação em detrimento da responsabilização do poder público, característica do capitalismo de desastres, aliada à ascensão da extrema direita e do apagamento de processos participativos e de conquistas populares, com a priorização das reparações individuais sobre a reparação coletiva. Além disso, abordou as perdas nos territórios e homenageou integrantes das comunidades atingidas, explicitando a importância da luta popular organizada.
As exposições e os debates nas mesas mobilizaram a caracterização dos desastres enquanto eventos que expõem vulnerabilidades historicamente construídas, sendo produzidos pela forma de organização produtiva e de ocupação do solo. Os estudos demonstram que os grupos mais vulneráveis aos eventos extremos são os mesmos que sofrem histórica e sistematicamente com as dinâmicas capitalistas que regem o uso do solo e geram processos frequentes de desterritorialização.
Compreende-se, portanto, que a manutenção do paradigma atual significa necessariamente a continuação e o agravamento dos eventos desastrosos, uma vez que desde a escala internacional, o sistema capitalista neoliberal extrativo se baseia na desestabilização de grupos subjugados aos grupos dominantes, com a concentração dos danos às periferias. Desse modo, foi reforçada a importância de uma gestão pública, principalmente relacionada ao território e às finanças, atenta aos riscos ambientais e orientada à diminuição e ao não aprofundamento de desigualdades socioespaciais existentes.
As alternativas vislumbradas pelos debates apontaram para o fortalecimento das redes nos territórios e comunidades e das lutas populares dos grupos que resistem à fronteira de expansão do capitalismo extrativo – simultaneamente, aqueles que são os maiores atingidos. Também destacaram a importância do desenvolvimento de tecnologias de gestão do uso do solo atentas às potencialidades e às limitações socioambientais e o papel da universidade. O futuro possível depende de nossa capacidade de repensar e remodelar nossas infraestruturas, de construirmos estratégias e agendas a partir de uma visão integrada entre os sistemas naturais da terra e os sistemas antrópicos, adaptando-nos às transformações climáticas e superando a ideologia retrógrada de superação da natureza pelo homem.
A participação da universidade, especialmente na produção de conhecimento e na capacidade de apoio às comunidades e aos corpos administrativos das esferas públicas, a partir da pesquisa e da extensão, foi uma questão fortemente discutida. Destaca-se a importância das assessorias técnicas formalizadas nos territórios atingidos, mas também do acompanhamento dos processos de organização comunitária e estruturação dos territórios populares. Nesses termos, a Semana IPPUR fomentou importantes debates sobre os pressupostos e condições para uma efetiva articulação da universidade com as lutas e movimentos populares, pautada pela horizontalidade e pela ética acadêmica.
Outro evento acadêmico que contou com ampla participação do corpo social do IPPUR foi 13ª SIAC, que ocorreu entre os dias 25 e 29 de novembro, com as tradicionais apresentações dos projetos de pesquisa e extensão atualmente em desenvolvimento na universidade e ainda a oferta de minicursos, palestras, oficinas e outras atividades que divulgam o conhecimento produzido na UFRJ. A SIAC é o maior evento de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRJ e busca assegurar o “espaço da construção coletiva alicerçado na indissociabilidade ensino, pesquisa, e extensão, de defesa da educação pública, da valorização da Ciência e Tecnologia, da Inovação e da Cultura para o desenvolvimento do país.”. O evento integra a participação desde a educação básica, com trabalhos de iniciação científica de ensino médio, até os projetos desenvolvidos nos pós-doutorados, além de pesquisadores e estudantes de outras instituições e público em geral.³
Foram apresentados 44 trabalhos vinculados a projetos de pesquisa e extensão do IPPUR. Como bolsista do projeto de extensão da Agência IPPUR, apresentei um trabalho sobre o processo de construção e editoração do Boletim IPPUR. Não foi minha primeira apresentação na SIAC, mas foi uma experiência particularmente interessante e enriquecedora, inclusive por ter sido minha primeira participação em uma sessão de avaliação da comunidade IPPUR.
Os professores avaliadores fizeram comentários atentos ao trabalho apresentado e muito pertinentes para pensar uma ação de extensão voltada para a comunicação e divulgação de produções e atividades acadêmicas. Debatemos possibilidades e caminhos para o projeto, as dificuldades relativas à falta de investimento e de valorização da pesquisa e especialmente da extensão na universidade, assim como o recente processo de curricularização e seus impactos, considerando, ainda, os reflexos da participação no projeto para a minha formação.
Outros/as estudantes do GPDES que participaram dos eventos enviaram também alguns relatos sobre suas experiências e impressões:
Relato de Lorenzo Lutch, graduando do GPDES: :
A semana IPPUR realizada nos dias 07 a 11 de outubro de 2024 trouxe como tema principal o planejamento urbano e a gestão pública no que seria o principal desafio dessas duas áreas: o capitalismo de desastre. Com isso, a semana IPPUR abordou, distribuídas em diversas mesas de debate, temáticas, na minha visão, extremamente importantes e relevantes no cenário atual, como os diversos desastres “naturais” ocorridos no planeta, enfatizando os mais recentes ocorridos no Brasil, como a tragédia do Rio Grande do Sul, por exemplo. Além de tratar sobre as tragédias relacionadas com a emergência climática, a semana IPPUR também trouxe alguns elementos importantes relacionados com os desafios da governança urbana e do planejamento urbano nesse cenário de crise climática.
Outro aspecto bastante relevante trazido pela semana IPPUR foi a questão da matriz curricular do curso de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social, discutindo-se a necessidade de sua revisão e incrementação, devido sobretudo, da crescente importância e relevância do curso de GPDES diante do panorama caótico e desafiador que se encontra os diversos cursos do campo de públicas, sobretudo o curso de Gestão Pública. A mesa foi composta por diversos professores, cada um representando uma área do curso de Gestão Pública, que é caracterizado pela imensa interdisciplinaridade, o que contribuiu diretamente com a discussão principal da mesa, que era a revisão curricular do curso. Sendo assim, o maior ponto positivo da mesa foi a pluralidade do debate, bastante enriquecido, principalmente pela variedade de opiniões e conhecimentos acerca do assunto.
Relato de Carolina Santos Silveira, graduanda do GPDES:
Participar da semana IPPUR e da SIAC foi, de fato, uma experiência marcante dentro da minha trajetória acadêmica, pois apesar da ansiedade em relação a avaliação dos docentes, a satisfação de uma avaliação positiva e as dicas endereçadas ao trabalho são muito enriquecedoras. Os eventos te dão a oportunidade de expor e defender uma hipótese construída por você mesmo e acredito que essa oportunidade incrementa nossas habilidades de debate, defesa, comunicação e pesquisa.
Relato de Karinni Baeza, graduanda do GPDES:
Minha participação na Semana SIAC foi uma experiência enriquecedora, marcada pela troca de conhecimentos e aprendizado. Tive a oportunidade de apresentar a pesquisa que desenvolvi em parceria com a minha colega de curso, Isadora Rosa, sob a orientação da professora Cláudia Paiva. Além disso, acompanhei apresentações de outras pesquisas e participei de debates que abordaram temas atuais e relevantes para a minha área de estudo. Essa vivência contribuiu significativamente para meu crescimento acadêmico e pessoal, além de fortalecer minha conexão com o curso e a universidade como um todo.
As duas semanas acadêmicas foram momentos muito potentes de trocas e diálogos, que contribuem para a continuidade do desenvolvimento de trabalhos que garantem uma universidade pública com função social e que vem resistindo às crises e adversidades, que são, inclusive, reflexos do contexto do capitalismo neoliberal dos desastres. Que lutemos pela infraestrutura da educação pública engajada e orientada ao atendimento das demandas sociais e à democracia. UFRJ Resiste!
Notas:
[1] IPPUR. Portal do IPPUR – Eventos e Certificados – Semana IPPUR 2024. 2024. Disponível aqui.[2] Observatório das Metrópoles. Assistência Técnica Gratuita: uma alternativa para a questão da moradia no Rio de Janeiro. Brasil de Fato, 2024. Disponível aqui.
[3] SIAC. Portal da SIAC – Página Inicial. 2024. Disponível aqui.